quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Achado não é roubado (mas também não é dado)

Chove a espaços. Cargas grandes, que depois aliviam.

Ao volante uma mulher vê um homem no passeio a deixar cair a carteira ao chão. Repara que ele não repara e segue em frente. Num impulso, encosta o carro, liga os quatro piscas, corre a recolher a carteira e corre para apanhar o homem que mal avistou. Só sabe da direção que levava, persegue esses dez metros de rua, mas já não o vê. Olha ao redor, nada. Olha para as mãos. É uma daquelas carteiras magrinhas, quase só para cartões que os homens usam no bolso de trás das calças. Fica com aquilo entre mãos, como uma batata quente. Pensa, melhor espreitar a ver se tem alguma identificação. Entreabre e vislumbra uma nota de 100 euros, entre várias outras. Arrepia-se e pensa, credo! se isto cai nas mãos erradas! Felizmente, desta vez, eram certas e os pés também, que tinham subido a rua de novo para encontrar um carro de polícia junto ao seu!!!! Com o historial de perseguições policiais que tem (😅 outra longa história) a mulher torna a correr rua acima; teme ser multada por estar num lugar reservado à polícia e esbaforida explica a situação ao senhor agente e que exatamente pretende dar parte ali na esquadra em frente. Esteja à vontade, senhora cidadã, ninguém a autuará (poesia!)

A mulher entrega o ouro à autoridade, preenche formulário, desinfeta as mãos mil vezes  com álcool gel e assiste a uma cena FBI- Investigação Criminal à portuguesa, que em dois minutos e um computador, dois agentes não tão gostosos como os da série americana, mas igualmente eficientes, estão a informar a achadora (ela própria) que o dono mora ao fundo dessa mesma rua (deve ter entrado no edifício, daí o desaparecimento) e estão a contactá-lo telefonicamente. Quanto à eficácia destes procedimentos... malta, paguem os vossos impostos que eles dão connosco.

O homem aparece mais branco, pálido e lívido do que a Branca de Neve em quarentena, titubeia um agradecimento; ora essa! uns para os outros, passe bem, porta fora.

Há um velhote encostado à esquadra. 

Foi a senhora que encontrou a carteira e devolveu? Bem haja! Ainda há pessoas de bem! 

Naqueles olhos cansados e pequeninos da miopia nas lentes embaciadas da máscara, uma nesga de sorriso aflorou.


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