domingo, 17 de dezembro de 2017

Diana Bar

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       Na sexta feira foi dia de festinhas de natal: muitas crianças felizes, muitos gorrinhos vermelhos e bandeletes com corninhos de rena e sininhos e saias de pregas com meias pelos joelhos e rímel em bailarinas pequeninas e vozinhas angelicais em uníssonos de Merry Christmas!
        Até aqui, nada de novo. 
   
      A surpresa do meu dia foi este edifício e, uma vez mais, o deslumbre!
    Como é que eu pude ter trabalhado na Póvoa durante três meses sem ter tido conhecimento deste espaço? Aliás, como pude viver estes anos todos de vida sem...

       Aconteceu que tive de acompanhar uma escolinha a este espaço, porque decidiram celebrar lá a sua festinha de natal. E lá fui, inconsciente, rua fora, ao som do hino deles, todos contentes a cantarolar.

     À chegada - o pasmo! O deslumbramento!
    Foi-me difícil centrar-me na festa que iria decorrer no interior, porque simplesmente tinha chegado ao paraíso na terra: aquilo é uma biblioteca, em cima da areia, num edifício circular, todo envidraçado com vista para o mar!!!!! 
   Livros e mar! 
    Vou repetir: uma biblioteca em frente ao mar!
   
    Posso largar o ensino e ficar a trabalhar aqui até morrer?
       
  

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Dormisses!

Imagem relacionadaTrabalho numa das únicas escolas básicas (1ºciclo) do país que funciona em bi-horário,
quer dizer, há umas turmas de manhã e outras à tarde. 

Isso significa que as aulas começam às oito da manhã. 
"Às oito" não é uma forma de expressão - é mesmo a hora exacta a que o turno da manhã começa.

De maneiras que, 
após uma noitada a ultimar avaliações 
de olhos grudados e já trocados no excel das infinitas turmas gigantes,
diz-me uma garota na primeira aula da madrugada:

"Ó tíXER! Quantas horas dormiste hoje?"

(penso, deves estar com um lindo aspecto, deves! Já há muito que adoptaste o look bruxa-desmaquilhada, mas hoje que te deitaste às três e levantaste às seis e meia, sem sequer disfarçar com uma base hás-de  estar bonita...)

Balbucio: 
"Aaahhhmmmm... 
Porquê???.... 
Nota-se muito????... 
Tarde... deitei-me muito tarde ... estive a trabalhar..."

"Ah, bem me parecia!
É que o meu pai também é professor e esteve a fazer grelhas no computador até às quatro da manhã..."

E heis que finalmente aquela tagarela enfezada que me infernizou a vida desde Setembro consegue tocar o meu coração!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Motivo incontornável 2

A meio do teste.
(eu simplesmente odeio que eles interrompam o silêncio da prova!!!! Irrita-me solenemente, pelo que fico logo sem disposição nenhuma para o que me vão dizer a seguir...)

Resultado de imagem para kid with a falling tooth, clipartTíxEr, posso ir à casa de banho lavar a boca?

Eu,
a leste do paraíso,
a anos luz da faixa etária a que agora me dedico,
eu,
sem pescar mesmo nada da poda:

"e por que cargas de água hás-de tu ter de ir lavar a boca a meio de um teste?"

Caiu-me um dente e sabe a sangue!

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Motivo incontornável

Fotos: Reprodução
"TíxEEE-E-E-E-E-E-R!"

Logo à entrada, antes mesmo de eu conseguir sequer abrir a porta.

"Diz, João!"

"Eu não estudei nada para o teste..."

Eu a preparar-me para o discurso do só-te-lembras-de-santa-bárbara-quando-troveja-e-agora-que-te-estou-a-entregar-o-enunciado-é-que-te-ocorre-o-estudo...

E ele, antes mesmo de eu abrir a boca:

"é que o carro da minha mãe foi assaltado!!!! 
e eu tinha lá a mochila com as coisas ...
e também tinha os livros de inglês ...
e eles levaram tudo e...
e...
e eu não pude mesmo estudar..."

domingo, 3 de dezembro de 2017

O LIVRO MÁGICO

Foto de O Livro Mágico - Musical.

É evidente que eu aconselho este espectáculo musical!!!

Mas: atenção! 
Faço-o, agora, após ter ido assistir à antestreia e ter usufruído de momentos deliciosos com a criançada da família. 
Não se trata, portanto, de assinar um cheque em branco. 
É que não é apenas o texto da mana. 
A interpretação e a encenação primam pela qualidade. 

Vi e  gostei MUITO! Filiações à parte.

Adoro musicais e, aqui, são as canções da Disney com que todos crescemos! 
Tão bom passar o espectáculo a cantarolar e a sonhar!
Depois aquela protagonista, a Maria, homónima da minha e com ela venturosa de audácia, determinação, sonho infantil e argúcia. 
Aquela rivalidade fraterna, cómica em palco, mas que nos atormenta na vida real. Acreditem pais, vão gostar de ver!
Viaja-se pelo mundo da fantasia e perde-se a noção do tempo. 
Apetece ir para lá para o palco dançar e cantar com eles!!!
O espectáculo está extraordinariamente bem conseguido e, certamente, fará as delícias de miúdos e graúdos!
Parabéns a toda a equipa e votos de muito sucesso!

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Miúdos com sorte

Resultado de imagem para mickey  dentist"Tíxeeer!"
Como de costume, a meio de um exercício, quando lhes dá na cabeça.
"Yes?"
"Olha, eu hoje vou sair mais cedo porque a minha mãe vem-me buscar para irmos ao dentista."
"Está bem. Órait! Se tem mesmo de ser, depois acabas for homework! You finish em casa at home, ok?"

(sim, eu sei, pareço uma turista britânica de férias no Algarve há três meses; construo frases misturadas em três línguas para eles me entenderem e, às vezes, nem assim! Três línguas, sim. Não me enganei: inglês, português e childês ou infantilês, se preferirem, que é a linguagem da basicidade porque o meu vocabulário de adulta na língua materna também é estrangeiro para eles!)

"Está bem tíxEr! Eu faço!"
"Vai lá, então, to the doctor! Porta-te bem no dentista, mostra-lhe os teeth todos, mesmo os que te faltam!"

Intervalo. Cházinho, na sala dos professores. A meio do meu iogurte com cereais e nozes lembro-me de avisar a professora titular de turma que o menino saiu mais cedo.

"Bem sei; já tinha tudo combinado com a mãe dele. O que ele nem adivinha é que não vai ao dentista... Vai daqui directo passar o fim de semana prolongado na Disneyland Paris!"

Grande surpresa!
Nem imagino como disparará o coração de um piolho de oito anos ao descobrir que ao invés de ir limpar as cáries na nunca-muito-ansiada-cadeira-do-dentista vai fazer a viagem de sonho de qualquer catraio! Grande surpresa!

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Na caixa do supermercado


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       Dois carrinhos cheios à minha frente. O habitual pensamento de que a caixa ao lado teria sido melhor escolha, porque a nossa percepção nos diz que anda mais rápido. As filas onde alinhamos andam sempre, invariavelmente, mais lentamente. Aquelas que eu escolho empancam sempre. Um cartão que não aprova. Um cupão fora de prazo. Um produto sem código de barras. O escarcéu.  
      A senhora à minha frente pousa uma caixa de cartão com um carregamento para pistolas Nerf no tapete deslizante. Penso, já estás grandinha para brincar com isso. Sorrio para a ideia dela, de mola na cabeça, casa fora, a brincar com a pistola atrás do marido em cuecas. Agora dispõe alimentos. Escolhas que não seriam as minhas. Cereais muito açucarados. Ice-teas gigantes. Batatas fritas, packs familiares delas. Agora, comida. Mais uma vez, produtos pelos quais não opto: nuggets, douradinhos, lasanhas pré-confeccionadas, o tipo de coisas que, penso, os meus filhos devem comer às carradas nas cantinas, pela comodidade - de preparar e de consumir (agrada ao paladar dos pequenates).
     Reparo que pintou o cabelo hoje de manhã. Ficou bem, embora ainda revele marcas de tinta na testa e nas patilhas, ao lado das orelhas. Cabeleireiro de bairro, provavelmente. Não, hoje de manhã não. Ainda são onze horas. Não deu tempo. Talvez ontem à tarde, antes de ir buscar os miúdos à escola. Miúdos, sim, deve ter dois. Um das fraldas que agora colocou no tapete, o outro da pistola, pois claro, era para o mais velho, não para ela. Também fez o buço. Ainda está vermelho. Se calhar, então foi mesmo hoje de manhã, cedinho, assim que os largou, na ama e na escolinha. Arranjou as unhas, essas estão decentes. De gel, vermelho. Outra opção que eu teria saltado (o rubro). De qualquer forma está melhor do que eu, que precisava desses três cuidados e não arranjo tempo nem para um. O meu cabelo está curto e desgrenhado, o buço comprido e destratado, as unhas clamam lima, nem sei sequer se tirei as remelas. 
     Olha, a caixeira da fila ao lado já aviou mais um. Eu não me mexo. Comprou pensos higiénicos, a senhora da frente. Deve estar naquela altura do mês; portanto o bebé já não é recém-nascido; mas ainda não dorme a noite toda, a avaliar pelos papos que traz debaixo dos olhos. Pensando bem, não é critério. Eu também os trago e já não tenho quem chore de noite. 
     Isto não desanda. Para a próxima vou para aquelas que somos nós a fazer o serviço; aquelas em que passamos os produtos e tudo. Fazemos nós o serviço e pagamos o mesmo, mas, pelo menos, a gente tem a sensação de que está a fazer alguma coisa para resolver o problema. Agora assim... este impasse! Ainda por cima o caixeiro é feio! Jovem, mas bexigoso. E a precisar tanto (ou mais) de um corte de cabelo como eu. Chama-se Eurico, leio na lapela. Coitado. Um mau emprego, uma cara estragada e um nome feio. Oxalá tenha sorte noutras coisas.
     O marido da senhora da frente gosta de uísque; acabou de pousar duas garrafas de uma marca com duas letras no tapete. Ou, se calhar, já é para oferecer no natal. Ao sogro. Ou ao chefe. Ou ao vizinho que fez o favor de lhe trazer um saco de cebolas e uma tronchuda. Ou então é mesmo para ela, ao serão, depois de deitar os putos, enquanto vê a novela. Assim como assim, talvez isso explicasse as bolsas debaixo dos olhos.
     Vai pagar! 
     Temos esperança! 
     Talvez eu ainda consiga enfiar 
a correcção de testes/ 
roupa estendida/
preparação do almoço/
escrita de crónica/
leitura-de-só-mais-um-capítulo-deste-romance-que-me-traz-agarrada-e-me-faz-a-mim-papos-e-olheiras 
antes da uma hora da tarde!
     O caixeiro feio tem um apelido pior do que o nome próprio, reparo agora que avanço três passos: Carqueijo. (como o chá?) Franzo os olhos míopes para focar. Sai-me, em voz alta, Carqueijo? Ele explica, amavelmente, solícito, feliz por sair do discurso formatado (cartão XXXX? cupões? vai desejar factura com número de contribuinte? tem quatro euros e vinte e oito cêntimos de saldo, deseja descontar?)  Carqueijó, é Carqueijó, na impressão é que não saiu o acento; é um apelido ainda muito comum nesta zona. Ah, pois muito bem, era mais um saco, por favor. 
     Ala que se faz tarde! E esta espera trouxe-me a urgência de mais uma tarefa a entalar nos meus múltiplos afazeres: procurar a cabeleireira lá do bairro!

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

As cores da Black Friday

Estava para aqui a magicar que a sexta-feira negra faz jus o seu epíteto, não apenas porque há um certo apagão nos preços (haverá?) e, supostamente, descem os dígitos, mas também porque aquilo se tornou numa selvajaria tal que, há relato, não é difícil sair dos estabelecimentos comerciais com um olho negro. Lá está. Negro.

A verdade é que este é mais um dos grandes esquemas de marketing para nos varrer as já tão arejadas carteiras e que, amiúde, as promoções imperdíveis mais não são do que preços inflacionados cortados ao meio, com largas margens de lucro para quem vende e muito afastados do valor real dos produtos. Assim:
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Na voragem consumista, muitas vezes, esquecemos-nos de raciocinar. De optar em consciência. Sem manipulações. Em liberdade. Por isso é que - não ironica, mas propositadamente - é neste mesmo dia que se celebra o BUY NOTHING DAY. Um movimento antagónico que propõe que não se compre nada na famigerada sexta feira de saldos loucos.

O que me diverte é que  a Black Friday se prolongue por dez dias, como ouvi nalgumas campanhas. Dá-me vontade de rir que, na prática estejamos a falar de uma black Friday-Saturday-Sunday-Monday-Tuesday-Wednesday-Friday-and-so-on-and-so-on-etc-etc.... Neste caso será muito mais black (negra) do que Friday, uma vez que chegaremos ao final da dezena de descontos completamente depauperados. Negro!

Já estou como o outro, o do cartoon aqui abaixo, depois da sexta-feira negra vem de certeza o sábado vermelho, com népiazinha na algibeira!Vermelho!

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quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Viroses

Dores de barriga.
Resultado de imagem para child with stomach ache clipartMuitas dores de barriga.
Todos os dias.

Todos os dias a Sarinha tem de abandonar a aula
e beber chazinho.

Muitas vezes chora, agarrada ao ventre;
Muitas vezes tem de ir embora,
que não suporta as dores
e tem de se ligar à mãe para a levar ao médico ou para casa.

Viroses,
chamam-lhe,
viroses.

Consecutivas viroses depois,
à décima nona aula que tens com ela,
apercebes-te
que dos duzentos alunos a quem que ensinas
a Sarinha é a que sempre tem dores de barriga
finalmente vês
percebes
enquanto escreves o summary
e ela se queixa,
choramingosa
melada,
carente
finalmente abandonas os outros vinte e cinco
a fazer legendas de places in school
e aninhas-te na carteira dela
e dispões-te a ouvir
a compreender que virose é esta que a não larga.
Uma vez que ela já foi e voltou da casa de banho,
perguntas se está melhor.
Não está.
Está triste e chora baixinho,
ou melhor,
CHORA
inaudivelmene
- só lágrimas cheias e soluços.

Então:
vês
entendes
perguntas
sabendo o que vais ouvir...

que tem saudades
que o pai não está em casa
que foi para Lisboa

perguntas
(mais uma vez) adivinhando a resposta que vais ouvir
O que faz?
É professor.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Vai-te encher de moscas

Já falei sobre isto anteriormente.
Resultado de imagem para vai-te encher de moscasVoltar ao assunto significa duas coisas: primeiro, que a luta continua; segundo, que a minha vida é tão desinteressante que não arranjo tópico menos prosaico sobre o qual me debruçar.
Enfim, MOSCAS.
Começo a perceber por que razão "Vai-te encher de moscas" é uma praga da pior estirpe. 
Haverá ruído mais irritante do que o zunir das moscas?
Elas a voar aos pares, em grupos, em bandos?
A gente a mirar e a acertar pontaria para uma singela mosquita poisada num espelho e assim que disfere o golpe e ela tomba, saem de lá mais duas, solidárias, evidentes, arrogantemente presentes... argh!
Eu acho que elas já me conhecem e passaram a palavra e foram buscar reforços a todas as vacarias da vizinhança e arredores. De certeza. Correu o boato. É uma conspiração de asas zumbidoras.
Eu, concentrada, de olhos esbugalhados e mata-moscas na mão, prestes a eliminar a próxima vítima e dou de caras com a surpresa da vizinha, amedrontada a tentar perceber o motivo do meu ar ameaçador. Figuras ridículas que um gajo faz por causa das manchas negras voadoras!
Argh!
A esfregar as patinhas...
Argh!
A deslizar
nas mesas,
nos balcões,
nos candeeiros,
nos vidros,
em todo o lado...
Socorro!
Nunca como agora,
eu,
à espera que a mosca pouse...
tensa, braço em riste, sentidos alerta, coração aos pulos, dentes cerrados, concentração ao máximo, olho fixo...
deve ser assim a caça;
mas esta é inglória:
mato uma, vêm mil ao funeral!
Ah, ignomínia!
Ah, infâmia!
Ah, desplante!
Ah, audácia vil!

E se "não é com vinagre que se caçam moscas",
então com que raio é?
Alvíssaras a quem encontrar a resposta!

domingo, 5 de novembro de 2017

Ó Dóóóóóna!


Resultado de imagem para plumber whistling clipart No outro dia chamei cá o senhor para compor o autoclismo que pingava.

(Eu tenho para comigo que os canalizadores são homens muito felizes. Só podem ser. Conhecem algum que não assobie enquanto trabalha? Quantos de nós se sentem tão à vontade no exercício da sua função profissional que possamos dizer ter desejo de cantarolar ou assobiar?

Felizes e bem sucedidos. Por que não?
Bem aventurados os homens ou as mulheres que sabem cuidar das canalizações.
Ajudam a resolver a vida das pessoas, não têm mãos a medir, pelo que devem facturar bem e a gosto, gerem os seus horários a seu bel prazer. Invejo-os. 
Para além do mais, admiro-os. São daquelas pessoas. As máquinas falam com elas, olham para um dispositivo e percebem logo a engrenagem, a mecânica da coisa, detectam o erro, sabem compor. Eu considero isso extraordinário, especialmente porque a mim, a única coisa que as máquinas me dizem é que já fiz m***a outra vez e tenho de desembolsar de novo. É - literalmente- o preço a pagar por ser aleijadinha das mãos e surdinha dos ouvidos para escutar os desalinhos de motores, canos, torneiras, porcas e parafusos.

Mas, enfim. Adiante.)

O guru da entorneira lá veio escutar a gota que me assola as noites a pingar na sanita. 
(Cá em casa chamamos entorneira às torneiras. Foi a Maria que apelidou em pequena e, a meu ver, muito bem pois é o que faz - ENTORNA)

Deixei-o lá a trabalhar e desci para as minhas lides (roupas, molas, estendais e afins). 
O homem bulia lá na casa de banho há um bom quarto de hora sozinho, quando me pus a imaginar.
(eh pá, não! Não se prestava a esse  tipo de fantasias!)
A gente não percebe nada da poda. Eles levam-nos como o diabo esfrega um olho, se assim o entenderem. Na volta aquilo era super simples, já está mais que pronto e está o homem a engonhar, só para cobrar honorários que se vejam. 

(Há que desculpar-se o meu mau juízo, mas aqui entre nós que ninguém nos ouve, já alguma vez contrataram uma reparação destas e o conserto levou apenas cinco minutos? NÃO!A coisa prolonga-se...tem que dar tempo para assobiar pelo menos um cd completo do Tony Carreira, alto e bem orquestrado como se a nossa casa de banho fosse o Olimpiá de Paris!!!!)

Então, dizia eu, pus-me a fazer o filme: a esta hora já o tóclismo está mais que pronto e está o homem, sentado na tijoleira branquinha, a dar uns toques com a chave de fendas na parede, a pousá-la no chão para que eu oiça que estão a decorrer os trabalhos...

Ocorre-me que lá esteja bem sentadinho, quiçá a fumar um cigarro ou a mesmo a comer uma sandocha com bifana e a emborcar uma bejeca, enquanto, volta e meia, bate com as ferramentas no chão ou interrompe o assobio para suspirar muito alto ou fazer um gemido de quem está a aparafusar com força, só para fazer parecer que aquilo está a ser custoso e árduo... sabendo a gente que só vai ser penoso mas é para mim, que vou pagar!

Rio-me de imaginar que o homem pudesse mesmo estar a fazer a fita das ferramentas no soalho e apetece-me ir lá acima, surpreendê-lo a meio do panado de porco. Não tenho tempo. Ele clama:

"Ó dooooona!"
"Está prontinho!"

Olarila!
Já não me safo de:
ser chamada por dona, como as cotas;
ter que limpar as patinhadelas que deixou na casa de banho onde efectivamente esteve a trabalhar
e, claro,
de liquidar a factura das válvulas, bóias, ligações e serviço.
É limpinho!

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Saga Vida Nova - "tou c'a mosca"

Imagem relacionadaPara quem não sabe a nossa vida agora não é unicamente perfumada de maresia.
É que nós não mudámos apenas para a beira-mar. 
Nós mudámos para o CAMPO!!!!
Vivemos numa aldeia, onde,
consoante os ventos,
por vezes,
cheira a vacas
ou a estrume
ou a milho ceifado.

Ora: campo - moscas!!!!!!
MOS - CAS!!!
Pegajosas,
zumbidoras,
omnipresentes,
o raio que as parta!

Desde o primeiro dia declarei guerra doméstica e decidi exterminá-las cá de casa.
Tentei de tudo.
Fechar portas e janelas (mas por onde raio é que elas se infiltram????)
Espalhar sal grosso.
Enfiar Ezalos e DumDums em tudo o que é tomada.
Spraizar os compartimentos todos até ao limiar da asfixia...

Nada.

O máximo que consegui foi que andassem por ali meias grogues; finalmente percebi a expressão mosca morta, elas muito lentas, muito arrastosas, a irritar-me ainda mais com a molenguice e a desejar que estivessem literalmente mortas!

Estive prestes a comprar daquelas fitas deprimentes que se penduram no tecto para que elas fiquem agarradas, mas temi pelo meu Pedro...era capaz de ficar lá ele enrolado... melhor não!
Ainda dei com umas raquetes na dispensa que, suponho, as eletrocutariam  e - suponho também - os meus filhos iam adorar andar à raquetada cá por casa; mas as ditas precisavam de um adaptador de tomadas (coisa que, entretanto, ainda não comprei). Portanto, o squash de moscas terá de aguardar.

Então falaram-me na panaceia miraculosa para os meus males, um tal de Biokill infalível, que funcionaria como barreira invisível para impedir a sua entrada indesejada.

Acabo de infestar a casa toda com o spray da minha última esperança, entro na cozinha  e ali as vejo, grudadas nos meus vidrinhos acabados de limpar. Roguei pragas ao biotanga e desatei em investidas veementes de fúria homicida...

Ah! Não há como uma valente chicotada com o mata-moscas.
E quantas inflijo!
Tornei-me uma assassina nata (marta!).
Então quando se põem a esfregar as patinhas mesmo debaixo do meu nariz ou a chiscar nos candeeiros... levam logo uma palmatória que até deixa sangue, algo que se tornou, de alguma forma, perversamente satisfatório para a minha alminha enraivecida! Particularmente prazenteiro é também dizimar uma cópula, os parezinhos de asco que pousam em êxtase na bancada da cozinha e, enfim, assim morrem, com prazer duplo - o meu que interrompe o delas!

Portanto, está aberta a época de caça cá em casa. (Ou o tempo arrefece ou será o ano todo!)
Entretanto, e em bom abono do Biokill, a varejice melhorou. Aparentemente aquilo leva umas horas a produzir efeito e, de facto, se as não elimina por completo, reduz a afluência em grande medida. E ainda bem! É que eu já estava tendo uma luxação no ombro direito de tanto raquetar!

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Saga Vida Nova - Gaivotas

Resultado de imagem para gaivotasUm dos aspectos que agora faz parte do meu quotidiano são as gaivotas.

Vão dizer-me que elas são reservatório de bactérias multiresistentes, que se reproduzem vorazmente e, portanto são uma praga nas cidades costeiras, que ameaçam a higiene pública e que, em época de nidificação se tornam até agressivas... 

Mas o meu espírito romântico aprecia vê-las por aqui e acolá, a rasgar os céus, livres, felizes, ariscas. Destemidas, pata ante pata, no meio das gentes. Lindas na marginal de Esposende, empoleiradas no paredão ou a deambular pela relva ou a planar ao pôr-do-sol ou a manchar o céu em bandos matinais. Ou preguiçosas nos bancos do rio, debaixo da ponte de Fão. Ou na cidade, na Póvoa, a gritar como as poveiras, em disputa com elas.  Gosto.

Hoje mesmo fui almoçar de marmita para a praia. De súbito, fiquei rodeada de aves destemidas, gordas como perus, não para me fazer companhia, mas à espera que as alimentasse do meu manjar. Ri-me da astúcia. Atirei um pedaço de chouriço da feijoada. Desgrenharam-se para o apanhar. Ri-me sozinha, debaixo do sol. Disse de mim para mim própria que também haviam de provar a cenoura e os bróculos estufados... come-os tu! Está visto que não são vegetarianas, manda mas é para cá um naco de bife. Assim fiz. Ri-me, que o deglutiram num ápice, com a cenourinha a continuar reluzente e displicente na areia. Safadas.

As gaivotas da Póvoa já não pescam no mar. 
Pescam em terra. 
(São finas. é mais rentável, menos trabalhoso e mais saboroso.)
Vejo-as nos recreios, depois dos intervalos, assim que dá o toque de entrada, a bicar os restos que os miúdos perderam, entre uma futebolada e a troca de cromos. Grasnam e patinam pelo recinto fora, majestosas, no seu reino, ali é a sua praia, a dos lanches gulosos preparados pelas mãezinhas na noite anterior. Não pescam sardinha. Pescam modernidade. Pães com Nutela e bolachas Oreo.  Gordas, ociosas, obesas, filhas do consumo... Juro que no outro dia uma levava um pacote de leite chocolatado no bico...

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Vida nova

Sei que estão cheios de curiosidade sobre a minha "vida nova".
Antes que me comecem a invejar os pores-do-sol deslumbrantes, a casa espaçosa e as vivências litorais, invejem-me também as angústias e as ansiedades, as noites sem dormir na expectativa de que os miúdos se adaptem a escolas novas e amigos novos, a dificuldade em alinhar rotinas e a flexibilidade mental que criá-las requer. 
Invejem-me antes a força mental que é necessária para implementar uma mudança desta dimensão, a coragem que é preciso para dar o salto, a pontinha de desespero que é necessária para saltar e o jogo de cintura para planar após o salto, sem olhar para trás. Ao sabor do vento. De asas bem abertas e olhar no futuro.
É verdade que a brisa marítima empurra a saudade, que as rotinas escolares e profissionais tomam conta da espuma dos dias, mas saibam que comparamos, sentimos faltas, sentimos saudades.

Vou tentar pôr a escrita em dia e revelar-vos, pouco a pouco, todo o novo que agora vivenciamos. 
Não ainda - por hoje apenas esta nota de saudade.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Putaquipariu Jonny


     

















     Há umas semanas que não escrevo e, hoje, tu atiras-me para o papel. Revoltada comigo própria porque o que te vou dizer aqui e agora já devia ter sido dito, em vida, e não agora que cá não estás para gargalhar e lacrimejar com o texto em tua honra. Mas, enfim, somos egoístas e escrever afaga-me a alma e apetece-me falar-te e já não é possível. (não acredito que já não é possível)

      Em tua memória abrimos uma garrafa de vinho tinto. Eu e o Reno. Ao almoço. Não é que a gente precisasse de desculpa, mas era o que faríamos se nos tivesses vindo visitar e hoje a presença da tua ausência brusca e dura encheu de silêncio a nossa refeição, a nossa voz, os nossos corações. 

Gostávamos de ti, Jonny. Dizíamos-to muitas vezes, com as letras todas e tu respondias de volta, "gosto muito de você, viu? te cuida, garota! E dá um abraço no maridão que eu também gosto muito dele"
 porque eras um homem de afectos 
e depois desconversavas e dizias 
"chega de lamechice, tamos ficando velhos cÁralho!"

     Eu e tu era uma borga. Piadas inapropriadas, brindadas com olhares de soslaio, reprovadores e certeiros, e nós na nossa loucura de outsiders, um pouco de forasteiros excêntricos e desabridos, a gargalhar até às lágrimas, até à urina, indiferentes à imagem social. Saudade, Jonny. 

     Tu, que amavas a minha família, 
pegavas no meu Pedro ao colo para o deixar na Cáritas, a caminho de Vinhais; 
que trocavas dicas de gastronomia com o Reno, de bom cozinheiro para bom cozinheiro; 
que lias e curtias todos os meus textos, mesmo os mais longos e secantes; 
que rezaste pelo meu marido no período crítico; (ou macumbaste ou chamaste os teus anjos, pés de santo; arixás; fontes de luz fosse o que fosse da tua pesada espiritualidade e vontade de ajudar e dar esperança ao próximo)
tu, que nunca deixaste de me telefonar ("eu te quero muito bem, você sabe, né?") mesmo quando foste procurar ser feliz para mais longe;

     Tu, que saltavas em defesa dos alunos,
pela justiça e humanismo,
que eras um professor com P muito grande,
dedicado, competente, exímio nas matérias,
extraordinário na relação com os miúdos,
quantos defendemos juntos em Conselho de Turma!

Tu, que querias endireitar o mundo,
eras perfeccionista e zeloso,
tinhas a casa num brinco,
penduravas a roupa com as molas agrupadas por cores
e alinhavas sempre o cinzeiro para o mesmo lado
na esquadria do quadro da parede.
 

Tu, que lias o Pessoa como a bíblia,
o teu Álvaro de Campos,
o meu Caeiro,
tu que partilhavas poesia comigo
e piadas porcas
e disparates só nossos
e sarcasmos políticos e anti-institucionais.

Tu, que me desabafavas desamores, 
um homem tão extremamente apaixonado e romântico
quanto desapontado e traído.

Tu, que me desabafavas uma escola que te engolia
oprimia e tentava amordaçar o teu espírito livre e criativo.

Tanta, tanta falta me farás, João.
Vou procurar-te, recordar-te, buscar-te 
na nossa Balada do Louco do Ney,
no fundo de um copo de maduro,
na mitologia grega, que desfiavas ao pormenor,
num cigarro ao luar,
e num cantinho que há-de ser sempre teu e que agora arde no meu coração, amigo.

Tu, que amavas a natureza e a vida.
Biólogo de coração.
E partes?

Putaquipariu Jonny

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Saga mudanças - saber de experiência feito

 Imagem relacionadaAgora que estou a acabar de dizimar caixotes
e para aqueles que me foram seguindo nesta saga das mudanças, 
aqui vão algumas pérolas de conhecimento adquirido a braços, suor e lágrimas, 
saber de experiência feito, como dizia O Poeta:

1) a fita cola da loja dos Chineses não serve...
Tem a mesma largura, diâmetro e cor que a desejável, mas não tem a força nem a resistência necessária para as cargas. Ou seja, um gajo sela os caixotes, aquilo tem a cor castanhinha e tudo, mas depois aquela porcaria descola toda, não chega ao destino. A  única utilidade que lhe vejo é caçar moscas desprevenidas - e, mesmo assim têm de ser mesmo daquelas muito estúpidas ou muito grogues. É pendurar umas fitinhas do tecto e esperar que elas lá fiquem presas...

2) a capacidade dos caixotes é um engodo
lá porque aquilo diz que alberga 30 kilos, isso não quer dizer que a gente os vá conseguir sequer levantar do chão...

3) etiquetar ou escrever em caixotes NÃO é perda de tempo
Evita que se tenha de jogar ao ovo kinder na nova casa e que se ande a desembrulhar cinquenta pacotes até descobrir onde raio param as cuecas!Ou aquele urso de peluche sem o qual eles não dormem...

4) sacos do lixo de grande capacidade são imprescindíveis
são óptimos para atoalhados, edredões, almofadas, tapetes, cortinas e até roupa. São óptimos para o efeito alcochoamento da carga - isolam objectos mais frágeis e são fáceis de acomodar na mala do carro.

5) Quando, à chegada, tilinta... está partido!

6) O frango no churrasco é o melhor amigo dos casais em mudanças!

7) O papel higiénico também 
e convém existir - à saída e à chegada.

8) Na casa  de onde partimos parece tudo essencial. Na casa onde chegamos prescindir-se-ia de metade para não ter que desempacotar mais. Aliás, quem já fez mudanças sabe que alguns caixotes ficam provisoriamente para sempre na garagem!

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Aceito, confio, recebo e agradeço

Porque estive na "nossa" praia, porque é verão e pessoas me voltam a falar de ti, porque a saudade aperta. porque se aproxima a data do teu aniversário, não sei.

Há dois dias que tenho o mesmo sonho. Um pouco absurdo, como próprio do onírico, mas nítido e perturbador.

Vejo-te na praia, banhada de luz, sob um sol intenso, a fazer um valente serviço de volleyball em suspensão. 

E é ali. Aquele momento. Suspensa no ar, acima da areia, com um movimento pujante do pulso direito que te me traz à consciência e simultaneamente me acorda.

Desperto banhada em suor, com um aperto no peito e confusa, embora, durante o sono, não se trate de um pesadelo; pelo contrário, é uma alegria ver-te ali suspensa a jogar.

No entanto, acordo confusa...desapontada por não ser real, por ser tão curto, por terminar. Na vida real não jogavas volley, mas não é que não aceitasses o desafio, se to colocassem. 

Por outro lado, tu representas para mim aquela energia, aquela vivacidade, aquela força. Por isso, no final do sonho há aquele amargo de boca que a vida nos deixa quando morre alguém muito jovem ou um atleta ou um herói. A gente resigna-se, mas não deixa de pensar que havia ali tanto potencial perdido.Acho que é por isso que me sinto tão incomodada ao despertar.

Todavia, não me queixo. Durante anos estive presa à tua cama de hospital. Percebia o quão traumático isso havia sido para mim, mas irritava-me não conseguir recuar para milhares de experiências igualmente intensas, mas mais agradáveis que partilhámos enquanto mãe e filha.

Agora, ao menos, vejo-te banhada de luz boa, suspensa e em acção. 
Recebo e agradeço. É tudo o que preciso nesta fase.

Poema em linha recta

Álvaro de Campos - Poema em linha recta
Imagem relacionada
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

domingo, 20 de agosto de 2017

Primeiras impressões sobre o futuro

No outro dia fomos a Esposende.
Fazer um reconhecimento de campo mais incisivo - escolas, piscinas, clubes e campos de futebol disponíveis, enfim,  antecipar rotinas para o ano lectivo que vem.
Ainda não era Agosto, a época balnear não estava no seu pico, portanto pareceu-nos tranquilo e saudável.
O que nos saltou à vista:
-  uma marginal fabulosa para caminhadas em família;
- uma cidade planinha para andar de bike;
- actividades na marginal ou no rio: pesca, papagaios de papel; canoagem, kitesurfing...
- um centro histórico limpo, organizado e aprazível;
- uma envolvência muito rural, muitas estufas, muitos milheirais, muitas vacarias, muitos tractores a passar, conduzidos por mulheres valentes e carregados de cebolas.

"Mãe, aqui é tudo ZENDE ou Cávado"

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Princesa enquanto dura

Alguém leva as meninas-de-etnia-da-escolinha-difícil-onde-nenhum-professor-aguenta-muito-tempo a um encontro interescolas numa cidade do distrito.
Resultado de imagem para princesa disney ciganaAs meninas estão tão eufóricas que me contam, estridentes, que vão dançar a outro país.
Alguém pega nelas, leva-as para sua casa, lava-as, veste-as, penteia-as, maquilha-as, arranja-lhes as unhas e perfuma-as. Adorna-lhes os cabelos com flores de papel feitas à mão. Transforma-as em verdadeiras princesas.
As meninas princesas portam-se lindamente em palco (e fora dele).
Nesse dia não há zaragatas, não se insultam, não se agridem. São princesas a viver um sonho partilhado. Porque alguém acreditou nelas e lhes deu uma oportunidade.
Fazem uma exibição magnífica; dançam como princesas das arábias.
Voltam deslumbradas e felizes.
À chegada, uma surpresa comovente. Uma delas tem à sua espera o príncipe encantado que o seu coraçãozinho de nove anos mais deseja e que não vê há três anos. O pai, a usufruir de uma precária.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Anjinhos jolies

Resultado de imagem para anjinho, clipartHoje participei numa procissão à Sra da Assunção, em Santo Tirso. Assisti a uma Missa Campal presidida pelo Bispo do Porto. E devo dizer que ambas as experiências me proporcionaram momentos de bem estar e conforto espiritual.
No entanto, não é a dimensão pessoal da experiência que aqui interessa.

A nível sociológico constatei o seguinte:
- há uma crise de afluência de anjinhos; o negócio está fraco, dizem as alugadeiras de fatos, e já rendeu mais...
- os poucos anjinhos que comparecem falam francês, são maioritariamente filhinhas de emigrantes, que acham jolie, mas não sabem rezar na língua de Camões; isso também prejudica o negócio, segundo as velhinhas piedosas comentadeiras dos arredores;
- há poucos jovens, a meio de Agosto, a subir a serra para orar. Parece que a praia ganha aos pontos e, por isso, a procissão está pejada de cãs e o passo é mais arrastado do que as avé-marias cantadas em vozes cansadas;
- na missa campal há surpreendentemente dois jovens, moços, à minha frente. Cantam como rouxinóis em segundas e terceiras vozes; pelo que desconfio serem seminaristas. Espreito os sapatos e tenho a certeza - sapato preto, clássico, em desuso, são seminaristas certamente. Recrimino-me pela fuga de pensamento do divino e concentro-me nas minhas intenções.
- Desconcentra-me outra vez um casal de meia idade, que saca de uns banquinhos montáveis in loco. Nunca tinha visto tal artimanha e distraio-me, confesso, espanto-me com a engenhoca.
- Terminada a cerimónia, verifico que os docinhos de feira, os salpicões de Lamego e as bancas de trapitos dos feirantes são quase tão aliciantes aos devotos como a restante parte religiosa da festa;
- Constato ainda que os garrafões e o enfardamento no pinhal consolam bem os corpos de espírito saciado.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

"Ninguém faz uma peça sobre o trabalho dos jornalistas?"


Resultado de imagem para jornalista, clipartEu faço. É capaz é de não sair assim muito jornalístico; mas é o meu contributo.

Não és bombeiro, mas quando o alarme soa no quartel, também és alertado, também tens de enfiar umas calças à pressa e zarpar para o meio de florestas densas, lugarejos perdidos, aldeias em chamas, o que tiver de ser.
Não és médico de plantão, mas também acodes urgências, de madrugada, a desoras, quando calha e o dever te chama.
Não fazes a ronda da noite, como a polícia, mas se a coisa dá para o torto, particularmente se a coisa dá para o torto, lá vais tu, atrás das luzes de emergência, cobrir o incidente.

Corres atrás dos factos, 
deixando para trás a tua verdade morna,
os teus em caminhas fofas
e soninhos descansados.
Vais no sentido de um dever, com mil outros a pesarem-te na consciência
como os lanchinhos que ficaram por fazer para o dia seguinte, se houver escola.
Ou ainda quem os irá levar à escola.
Se consegues chegar a tempo para fazer a magia maternal do malabrismo omnipresente: escuteiros, volley, ballet, tpcs e janta.

No entanto, agora vais no sentido de um dever e é esse que te ocupa o cérebro e consome a adrenalina:

Oxalá os factos  que persegues apareçam céleres, claros, sucintos e, de preferência, de fonte fidedigna e confirmada.

Oxalá a neve seja copiosa q.b, para ter impacto visual na reportagem, mas sem impedir os acessos de regresso a casa.

Oxalá as chamas e as labaredas não interfiram com os meios técnicos para emitir um bom directo. Oxalá os olhos não lacrimejem e a voz não se embargue. Nem pelo fumo, nem pela emoção.

Oxalá os políticos não se lembrem de vir todos no mesmo fim de semana, a concelhos limítrofes deste distrito acidentado de alta montanha e distâncias.

Oxalá em Lisboa eles entendam que "dar um saltinho" a Freixo-de-Espada-À-Cinta é capaz de demorar mais do que atravessar a 25de Abril em hora de ponta.

Oxalá o ajuntamento popular em frente ao tribunal não dê sarilhos.

Oxalá a polícia colabore e não exorcize a comunicação social pelos males sociais, quer dizer, oxalá te deixe fazer o teu trabalho, a ti e à equipa, com profissionalismo e ética. (Aqui, pensas, oxalá os colegas tenham a deontologia necessária para respeitar também as forças da autoridade e o seu serviço.)

Oxalá haja tempo para provar os produtos das Feiras que cobres. Venha de lá a boa vontade das gentes, a alheira, o fumeiro, o pão, o azeite e os folares. O nosso povo é hospitaleiro, saca do palaçoulo e racha sempre umas rodelas de chouriço em cima da carocha do pão.

Oxalá não seja a última vez que o tiZé da recôndita aldeia estende a mão enrugada e trémula neste gesto largo. Para ti, jornalista no interior envelhecido, muitas vezes, é.




quinta-feira, 27 de julho de 2017

Mobilidade por "Doença"

      Num país em que um professor com sete cancros é chamado a junta médica e considerado apto a trabalhar, dando origem a uma paródia hilariante da equipa de Ricardo Araújo Pereira nos Gato Fedorento (aqui - JUNTA MÉDICA)

há uma região que tem imunidade a juntas médicas, funciona a coberto ou apesar delas,

talvez por ter desenvolvido uma doença autóctone, uma epidemia cavalgante a um ritmo de contágio preocupante que as autoridades não têm conseguido conter. 

Eu suponho que, por este andar, isto venha a tornar-se um caso de saúde pública, mas - como noutras situações catastróficas e de crise - no nosso país acorda-se tarde e mal para os problemas, por mais denúncias públicas e alertas que se façam.

(O assunto não é novo.  Veja-se, por exemplo no Expresso (2015) ou na imprensa local ,d' O Mensageiro de Bragança(2016) ao Jornal do Algarve )

Ironias à parte, o que alguém já apelidou de epidemia transmontana, está muito bem explicado aqui

Eu, fico-me pela ironia.
A meu ver, algo de muito patológico se passa por detrás dos montes. Apesar de, como é sabido, "para lá do Marão"  mandarem "os que lá estão", há-de chegar a altura em que alguém acorde para este fenómeno que a evidência dos números não nega.

Uma centena de professores, deslocados para um determinado agrupamento por motivo de alegada doença sua ou de ascendentes, dava para criar todo um agrupamento novo. Uma centena de professores é o número de recursos de que alguns agrupamentos dispõem para levar a cabo as mesmas metas pedagógicas e taxas de sucesso que os outros.

A mim, levantam-se-me uma série de questões.
A montante:
- da ética de tantos colegas, que a cavalo na chicoespertice ultrapassam os seus pares sem o menor escrúpulo, abusando de um refúgio legal que protege - e bem - os mais fracos e os que mais precisam.
- da conivência de direcções engajadas e comprometidas, frutos e produtores de caciquismos locais milenares e inamovíveis, porque uma-mão-lava-a-outra e hoje-tu-amanhã-eu;
- da seriedade ou do preço de atestados que se passam em massa para o favorecimento pessoal dos amigos e amigos de amigos até 5ºgrau;
- da conivência da classe, que, no geral, assiste e não reclama, pois ou há moralidade ou comem todos e um dia quem sabe não me faça falta também...

A jusante:
- da inoperância de supostas inspecções;
- da conivência ou lascismo do poder central;
- da placidez dos encarregados de educação (com tantos recursos, tais agrupamentos só poderiam atingir resultados de excelência)
- da paz social imperante.

E aqui, avanço. Um dia, este "sistema" há-de estourar por dentro. Não me parece que a rebelião demore muito. Para além das centenas que se vêem ultrapassadas e não conseguem aproximação à residência, hão-de começar a doer-se os que efectivamente têm serviço lectivo atribuído e aturam encarregados de educação tão insolentes como os filhos, e corrigem trabalhos e testes e preenchem grelhas e relatórios e vão a reuniões fatigantes que se hão-de fartar de que os cento e tal MpDs, na gíria "doentes" (sãos) levem uma vidinha boa sem encargos nem responsabilidades. Sem serem chamados à pedra por notas de exames ou por médias internas ou por coisa alguma. É gráfico e flagrante e, repito, há-de estourar. Há toda uma sala de professores cheia durante um intervalo, tudo a tomar o seu cafezito. Toca. Uns, levantam-se e vão trabalhar; os outros, não.

É a vidinha.
Casualmente, ou nem por isso, no dia em que saíram as famigeradas listas roubadas cruzei-me com uma mancheia de colegas que haviam ficado colocados, digamos, não idealmente, mas que me revelaram ter ascendentes dependentes (quem não na nossa faixa etária?), qual trunfo na manga, panaceia miraculosa concursal.

Quem me conhece sabe que sou guerreira na defesa da escola pública. Nada disto a dignifica ou engrandece. Há-de estourar.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

A ficção ataca a realidade (Saga Mudanças)

Resultado de imagem para embrulhar decanterAvança-se na pilha de jornais:
embrulha copo,
envolve decantador
(por que raio é que deitei a porcaria da caixa fora?
acomoda chávena
 - e eis senão quando -
surge a necrologia 
e lá fica a gente, em pausa, apiedada daqueles desconhecidos
- este era tão novo; aquele tinha filhos; esta não ficou lá muito bem na fotografia, bem podiam ter-lhe escolhido outra, ao menos nesta horinha -
a imaginar-lhes vidas, relações, profissões, percursos; enfim, eu escrevia um romance a partir de uma página destas!
(Aliás, eu escrevo, mentalmente, enquanto acomodo as coisas nas caixas de cartão.)

Resultado de imagem para conjunto de chá de brincarAs mudanças têm momentos irritantes,
de fazer cócegas nos nervinhos da gente,
como ter de acomodar loiça pequenina das bonecas, tal como se acomodou a grande, da vida real.
De repente, apercebo-me (medo!) - as Barbies, os Nenucos e as Barriguitas estiveram a conspirar contra a minha eficiência. Por conseguinte, no quarto da minha filha,
toda uma outra casa a empacotar,
com direito a roupinhas, calçado, ferramentas, acessórios de cabeleireira, utensílios de puericultura, instrumentos de medicina, electrodomésticos (juro que carreguei com uma máquina de lavar roupa em miniatura)... ou seja, não apenas uma casa, mas várias, uma cidade inteira para dentro de MAIS caixotes. Aaaaghhhh!

A ficção ataca a realidade e a vítima sou eu!!!!

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Entulho erótico*

Resultado de imagem para woman moving house clipartO entulho continua... o embalamento prossegue.
Meter a vida em caixotes e, como diz na imagem, O Lar é onde está o nosso coração, mesmo se não te conseguires lembrar do caixote em que o puseste!

A mente divaga-me, como sempre que estou em tarefas manuais e particularmente nesta com materiais legíveis à minha frente - jornais (para embrulhar)... sou incapaz de não ler!
Então fico a saber, por exemplo, que
Shakira está de regresso a Portugal em 2017;
Cristiano Ronaldo foi criticado pelo novo penteado (e eu nem sabia que tinha cortado a trunfa);
Ficam presos suspeitos de matar empresário (o de Braga, penso, sequestrado em Lamaçães em frente ao filho); Mochilas passam a ser banidas dos concertos;
Autarquias devem 344 milhões de água;
IRS vai baixar para um milhão de portugueses (não deve ser comigo);
Reforços chegam esta semana (antes fosse comigo)!!!

Enfim...
fico a saber coisas que me interessam
e coisas que não me interessam:
tudo me entra pela vista dentro enquanto embrulho e empacoto a casa.


Eu juro que, de início, estava a fazer uma selecção mais restritiva dos itens a empacotar. Mirava, remirava, repensava a utilidade possível de algo que não utilizo há uma duzinha de anos e lá acabava por decidir. Agora a triagem é cada vez mais apertada, na exacta proporção da chegada do prazo da partida e da incomodidade de carregar tanta tralha. No entanto, há momentos em que hesitamos:deitar fora? doar?levar?

De repente, uma relíquia que levanta a dúvida. Lá para o fundo duma das prateleiras mais altas da cozinha descubro aquele fóssil da nossa juventude de jantaradas e borgas entre amigos:

Copinhos chineses de Saqué, daqueles que têm mulheres nuas no fundo que só aparecem depois de vertido o líquido sobre elas.

Rio-me  com a descoberta. Finalmente a bota há-de bater com a perdigota. A ver se embrulho estas relíquias com as páginas de classificados picantes! 

* sequela  deste post aqui

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Esconder as vergonhas

Resultado de imagem para lady packing with newspaper, freeEh pá!

Não sei que me parece estar a embrulhar as molduras com os rostos mimosos dos meus filhos bebés em páginas de anúncios pejadas de nádegas proeminentes ...
(a embrulhar bochechas com bochechas, ocorre-me!)
Eu juro que, de início, rasgava essas páginas com todo o pudor antes de começar a trabalhar, mas agora já estou naquela fase neura de querer acelerar o empacotamento, nem que para isso tenha de utilizar as páginas das bundas reluzentes e demais vergonhas.
(Não sem, mentalmente - confesso- desejar que venha a ser eu a desembrulhar aquele objecto em concreto. Sossego a consciência dizendo a mim própria que eles se calhar nem reparam...)

E, para além  do mais, os jornais proporcionam o almofadamento (😁trocadilho não intencional) apropriado para os meus objectos, portanto tenho de aproveitar os recursos todos!

De maneiras que, está uma pessoa a embrulhar pratos e loiça em grandes manchetes e volta e meia salta-lhe aos olhos, mesmo sem querer, "mulher completa" e a gente, já com o corpo moído das lides domésticas e encaixotantes, começa a pensar  completa sou eu que já aviei quatro gavetas e mais uma dúzia de caixotes!

Portanto, embrulha  talher, envolve copo, volta e meia, mais bundas roliças e mamas xxl com estrelas a tapar a intimidade (???!!!). Viro a página para esconder as vergonhas e continuo a trabalhar.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Mega gaveta da tralha

Estão a ver aquela gaveta da tralha?
(Toda a gente tem uma, mesmo os mais arrumadinhos)
Aquela que dá tanta neura organizar que deixamos que ali impere o reino do caos e da desordem?
Ando a preparar a mudança, a empacotar trastes e tarecos e o que eu sinto é que a minha casa é uma gigante gaveta da tralha que a gente desbasta e desbasta sem fim à vista...

Sinto-me como aqueles acumuladores dos programas do TLS, os "hoarders", que passam a vida a acumular tralha, às carradas, aos montões, até ao impossível, de forma que ficam com as casas atulhadas até ao tecto e não conseguem transitar.
Depois, ou as autoridades sanitárias intervêm, ou um filho pede ajuda à televisão, ou a produção do programa dá com eles e vai lá ajudá-los. 
Vai lá uma senhora organizadora, tipo um upgrade de mulher da limpeza e que, por isso, tem nomes pomposos do género "personal organiser" ou qualquer coisa coach - o que simplesmente quer dizer que ela está ali para se livrar daquele lixo todo e dar a volta ao miolo do acumulador para que deixe deitar coisas ao lixo e para que não volte a acumular.

Pois bem, eu tenho passado os dias a seleccionar, guardar, rasgar, separar. Nessa dialética interna, parece que eu sou as duas personagens ao mesmo tempo - a que acumula e a que limpa. Sinto que tenho deitado metade da minha vida ao lixo, por vias do papel, o que é simultaneamente libertador e angustiante. (A triagem é difícil, mas o critério tem sido: na dúvida... lixo!)

A diferença é que nesses programas, a senhora leva uma equipa inteira de homens atrás e uns contentores gigantes para aliviar o entulho. Ora, no meu caso, é aos saquinhos de compras de cada vez, escada acima, escada abaixo, toneladas de papel, centenas de vezes para o papelão; fora as sacadas de roupas e brinquedos para instituições - é capaz de se vir a tornar um bocadinho extenuante!

Quem nos conhece bem, sabe que até temos tudo muito organizado cá por casa; mas a verdade é que dezassete anos e dois filhos depois...pesa! Juro que não volto a dizer que não tenho nada para vestir e também afirmo (no impulso do momento, mas sem jurar) que não volto a comprar nem mais um livro!Arre, que pesam!!!!


quarta-feira, 5 de julho de 2017

Tributo à minha avó

28/8/98*

     Triste. Muito triste. Infinitamente triste. A alma da avó cansou-se da vida e partiu. Sinto um aperto muito forte no peito, mas mal consigo chorar. A avó morreu e não percebo muito bem o que isso significa. Só sei que dói.

      Note-se que eu não tinha nunca lidado com a materialidade da morte. O carro fúnebre. O caixão que se fecha; o lençol que cobre o corpo. O cheiro a flores na igreja. as condolências de dezenas de familiares e amigos próximos que eu nunca vi. Acho que me prendeu mais tudo isso do que a perda DELA. Como um puto que vai pela primeira vez a um aeroporto e fica fascinado pelos aviões. O fascínio em mim foi espanto e terror.
     Primeiro aquilo a que chamam "velório" - tinha velas, de facto, talvez daí venha o nome. Porque velar pela minha avó era tudo o que não se passava naquele espaço. Não entrei - não tive força. Além do mais, lá dentro falava-se da vida, do trabalho; trocavam-se beijinhos; mostravam-se fotografias e até se atendiam telemóveis. Não se respeitava a minha avó. O seu silêncio. A sua despedida. Fiquei à porta, num cantinho donde a podia ver e rezar. Fechei os olhos para estar com ela pela última vez em presença e lembrei-me de muitos momentos, desde pequenina. Finalmente lágrimas, mas devagar, quentes e calmas, na minha face, como um abraço da avó. Chorei, mas em paz - quase feliz. Um calor interno, uma quase alegria. Fui desperta deste estado-paz por uma estranha que me perguntava a causa da morte, a idade da avó e se era esposa daquele senhor velhinho que ali estava "coitadinho". Por isso a SIC faz milhares de escudos com "Perdoa-mes" e afins: as pessoas têm, realmente, um interesse mórbido pelo sofrimento dos outros. Lá respondi com acenos de cabeça e monossílabos, banhada em lágrimas como convém à situação e à senhora, que aproveitou a ocasião para se sentir um ser humano maravilhoso e uma cristã exemplar, consolando-me (Quem é que precisava de consolo?) com os clichés adequados do tipo "É o que a vida tem de mais certo" e "estava na sua horinha", tudo no tom lamechas que se sabe.
      Que circo! Apetece mandar a pobre senhora à merda. Que raiva! Porque é que se passa a vida a fingir que se sente alguma coisa ou, pior do que isso, a acreditar que se sente alguma coisa?? Não suporto este teatro. Arte, sim, mas não na vida. Não suporto os olhares piedosos que lançam ao meu avô. Ele não é coitadinho: durante anos amou e foi amado por esta mulher excepcional, teve filhos com ela, abusou da paciência dela (e isto é uma redundância relativa ao verbo amar que já usei). Coitadinho? Não. A ser-se rigoroso o avô é um sortudo. Pieguices fortuitas! Compaixão! Ide mas é para casa amar com verdade quem deveis amar, deixai-nos com a nossa dor.
     Beatas. Também me irritam as beatas. Chego ao pseudo velório e uma criatura prestável dispõe-se a rezar um tercinho pela pessoa que ela não conhecia, mas que era, com certeza, uma santa! Mordi os lábios de raiva. Vim cá para fora para não lhe ouvir a voz melosa. No final do "tercinho", começa a metralhar-nos com um discurso catequístico, excertos de bíblia colados à pressão, à mistura com elogios à morta que nem conhecia. Não lhe bato - teve sorte. despeço-a, interrompendo-a com um Boa Noite-e-Adeus gélido. Ainda se demora. Conta a morte do seu paizinho que está no céu. Detesto-a. Haverá sempre assim intrusos nestes momentos sérios? Acabo por perdoar a mulher - é a "profissão" dela - mas encontro, finalmente, o silêncio desejado. É noite e agora só quem te ama está contigo, avó. Não há berros ou pranto, mas despedimo-nos de ti cantando e isso é bom. É um momento confortável. Triste, mas quase de felicidade. porque há paz. Como tu gostas.

     Funeral. Um drama maior. O adeus último. A missa. O cemitério. Já estou surda aos telemóveis a tocar em plena igreja; já não escuto o encorajamento de pessoas que não me conhecem, mas estão solidárias comigo. Só me sinto triste. Só ouço a tristeza do meu pai. E a minha., cá dentro. Também ouço a avó. Os conselhos. As confidências. 
     No final do dia, recupero os risos da avó. A Ana lembra-me do bom humor que herdámos dela e consigo sorrir. Sinto-me bem com essa lembrança: o sorriso da avó. É essa chama que tenho de manter viva dentro de mim. 

*Texto escrito em 98. Recuperado hoje, na minha limpeza à garagem.

Limpar a garagem

Ando há dois dias a arrumar a garagem. 
A garagem é a minha alma remota, as memórias que o meu cérebro não guardou, emoções há muito esquecidas.
E ainda nem abri os diários. (Meeedo).

Do que falo é dos cartapácios da universidade, os dossiers de estágio, as capas de arquivo com apontamentos da faculdade - páginas já muito amarelecidas, com as letras coladas ao plástico das micas e a brindar-me com pó e ácaros para que não ouse folheá-los. Não o faço. Esses dossiers foram em massa para o ecoponto: Fonética e Fonologia; Literatura Inglesa; Estudos Portugueses; Psicologia do Desenvolvimento; Teoria da Literatura; História e Filosofia da Educação; entre outros. 
Trouxe apenas para cima a capa de Linguística, para mostrar aos meus filhos o que era um caderno brioso e organizado. Não deram muita importância. "Porque é que escrevias isso tudo à mão?" Pois! Lixo com aquilo também!
Apesar de eu não gostar de acumular tralha, fiquei um pouco nostálgica ao remexer naqueles pedaços de juventude. Estava ali a aluna marrona e responsável que fui; horas de empenho a queimar pestanas. Enchi-me de racionalidade - quando é que eu vou, alguma vez, voltar a isto? NUNCA! Se, eventualmente algum dia precisar de consultar estas matérias, não é aqui que virei pesquisar. Para além do mais, muito estará desatualizado. Portanto,  enchi dois sacos fortes e livrei-me de tudo.
Guardei apenas o certificado do Prémio de Mérito Escolar. Aquele que me pagava as propinas. Só assim consegui sustentar o curso. Com o meu empenho. Nessa altura, na UM (Universidade do Minho) quem tinha bom aproveitamento era premiado com isenção de propinas. E assim terminei a licenciatura.

A seguir, foi livrar-me de dossiers do professor, registos de avaliação antigos, exames e testes, fotografias de antigos alunos. 
Deitei fora quilos de alunos e dezassete horários laborais equivalentes ao meu tempo de serviço! 
Tantas escolas, tanto trabalho, tantos alunos... disciplinas que já nem existem: Técnicas de Tradução do Inglês; Estudo Acompanhado; programas que se alteraram entretanto. Já trabalhei em todos os níveis de ensino, do 1ºciclo ao 12ºano; com crianças, adolescentes e adultos; ensino recorrente nocturno; tantas cidades corridas: Braga; Bragança; Guimarães (Ronfe); Mogadouro; Macedo de Cavaleiros; Elvas; Vinhais; Vimioso...

Depois encontrei pilhas de cartas. Não li nenhuma. Mal abri essa caixa de Pandora, fechei e decidi guardar. Pensei não tens tempo para isto agora. A missão é descartar. Se leres não conseguirás. Fica.

Encontrei ainda mensagens de amor, num bloco pequenino. Da altura em que o nosso amor era novo e imaturo e eu copiava as SMS para as não perder. Mensagens ridículas, como diria Pessoa, de outra forma não seriam de amor. Arrancaram-me um sorriso. Já crescemos tanto daquele ponto.

Encontrei materiais de imensas acções de formação; as minhas coisas de quando fui em Erasmos para a Bélgica; os cadernos de apontamentos do Mestrado; RESMAS de fichas de trabalho e testes que elaborei; exames de equivalência a frequência;  matrizes, critérios de correcção; grelhas de avaliação...

Comecei a sentir-me cansada só de remexer. Parecia que estava a ver ali a minha vida toda, em papel, a passar-me pelas mãos a um ritmo alucinante. Ocorriam-me pensamentos tristes, por exemplo, já trabalhei tanto, já vivi tanto, estou cansada.

Para não ficar deprimida, encerrei os trabalhos, carreguei os sacos cheios para o ecoponto e lancei com vigor aquelas toneladas de papel  lá para dentro, para nunca mais. No fim, senti-me aliviada e limpinha.



domingo, 2 de julho de 2017

Copo D'àgua - Série expressões idiomáticas


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Inicio aqui hoje uma série de reflexões sobre expressões portuguesas caricatas ou, a meu ver, curiosas. Daquelas que teríamos dificuldade em explicar a um estrangeiro, assim à letra, ou sobre as quais nem um português de gema saberá explicar a sua origem.

Ora bem, Copo D'àgua é das tais!
Normalmente, como é sabido, designa a parte dos comes e bebes (não raro bebes mais do que o que comes, mas adiante) nas festas, especialmente casamentos, mas também batizados, comunhões e afins. Diz que agora também já contratam "Copo D'àgua" nos divórcios, sinais dos tempos, siga a rusga.

Não é que vão apelidar de Copo D'àgua um fenómeno social em que: (sigam o meu raciocínio)

se bebe como aperitivo - Martinis (que é como quem diz vermute italiano), branco ou tinto, puro ou com casca de limão, com cerveja ou com cola; Vinhos do Porto (Branco, Rugby e Tawny) e da Madeira; licores e licorosos; cocktail variados, refrigerantes, cervejas e vinhos brancos antes da refeição;

se emborca mais Vinhos brancos e tintos (raramente rosés), maduros ou verdes - durante a refeição;

se enfrasca digestivos - bebidas brancas generosas, litradas de whiskey, Gins diversos, aguardentes, mais licores e outras mezinhas alcoólicas que não saberei nomear;

se corta o bolo regando com espumante ou champanhes a gosto;

e, para finalizar, se bebe café com cheirinho...

É que eu realmente não estou bem a ver onde é que entra a água, só se for para lavar os copos!!!
Ou então para curar a ressaca, aí água das Pedras, no dia seguinte!!!

P.S.
Há uma explicação que não me satisfaz aqui. Alega que a expressão é um eufemismo para atenuar o facto dessas refeições serem muito onerosas para os anfitriões...