sábado, 27 de maio de 2017

Aulas literalmente iluminadas

Imagem relacionadaEu não sei.
Por mais que eu me expresse tenho a sensação que vocês não estão bem a ver o filme do meu dia-a-dia no primeiro ciclo. Daquilo que eu quero significar com "é todo um outro universo!"
 
Eu tenho desabafado, aqui no blog.
Já vos falei dos gases, 
da ranhoca no nariz, 
das partilhas escancaradas que eles fazem quando vão à casa de banho 
(Posso ir fazer cócó?)
ou quando voltam da casa de banho
(Profe-ssoooooo-rraaaaa... era mole!)
Das lutas de tesouras,
Das confissões que eles me segredam, aos gritos, sala de aula fora:
Sabe, professora, hoje não dormi nada a noite toda... estou muito triste porque o meu hamster morreu... e o pior é que foi o meu pai que o pisou...não o viu!"
(eu, sem saber se ria, sem saber se chore, comovida com a dor do puto, mas duvidosa da cegueira do progenitor!)

Eu sei que vos tenho falado, mas é que é mesmo Tããããooo diferente!

Por vezes eu fico sem paciência para as criancices deles e ralho.
E as meninas fazem beicinho e ... choram... 
Outras vezes, a Iara tem um ataque de riso genuíno.
Ri-se, ri-se muito, daquele riso fluído, imparável, que vem lá do fundo do estômago e redobra na garganta, com gargalhadas floridas naquelas bochechas fofas e a mim também me dá vontade de rir e fico grata a Deus por ter a Iara como aluna, uma criança de riso fácil, que me faz rir 
(o que vem sendo raro ultimamente).

No quadro.
De vez em quando, enquanto aguardo que um deles manipule o quadro interactivo ou escreva com as canetas no quadro branco, aprecio-lhes as peças de roupa pequenas a acompanharem aqueles gestos ainda toscos com a caneta:

Eles a esticar bem o braço para escrever no que para mim é o meio do quadro, mas para eles é bem lá em cima, para parecerem muito altos aos olhos do resto da turma.

Elas, a caprichar na caligrafia (perfeita, mas minúscula e, por isso, ilegível para os das filas de trás)
Os folhos da saia que abanam, o tótó bem no cucuruto da cabeça a baloiçar enquanto regressam ao lugar,
pisa-pisca, pisa-pisca, pisa-pisca
- sapatilhas com leds para eu não me esquecer em que ciclo de ensino estou a leccionar!


 

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Comer pelos dois - a versão para a grávida

Foto de Ana Xilef.Se um dia alguém perguntar por mim
Diz que estou sempre a enfardaaaar
Antes de ti, magrinha e fit
Comia ... sem exagerar!

Meu bem, ouve as minhas preces
Leva-me esta azia e apetite voraz
Eu sei que não como sozinha
Talvez, devagarinho,volte à dieta do ananás

Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que sossegues, que não me dês pontapés
Eu sei que não como sozinha
Talvez, devagarinho, abandone os canapés

Se o meu bebé ainda não quiser nascer
Ou, ao fazê-lo, me fizer sofrer
Sem fazer planos do que virá depois
Vou continuar a comer pelos dois

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Torre de Babel

Resultado de imagem para torre de babel, free clipart Uma das dificuldades que tive na transição para o primeiro ciclo prende-se com a linguagem.

Não me interpretem mal. Não me refiro ao facto de eu ensinar uma língua estrangeira e de, naturalmente, eles nem sempre me entenderem e termos momentos hilariantes, comigo a fazer caretas, mímicas, sons e até o pino para que cheguem sozinhos ao significado das palavras.

Não.
O que eu quero dizer é que eles não me entendem EM PORTUGUÊS!!!!!

Porque (por um lado)
a nossa linguagem de adultos é extremamente metaforizada, cheia de imagéticas, segundos sentidos, ironias, alusões e subentendidos cujo significado absoluto eles não captam.

e porque (por outro lado)
eles são crianças, têm um vocabulário mais reduzido e, acima de tudo, estão na fase do concreto e levam à letra tudo o que dizemos!

É o caos!A verdadeira Torre de Babel!
 
Se disser a uma criança de oito anos:
"Põe-te no lugar dele"
(querendo apelar à sua empatia pela situação do outro)
ela é bem capaz de se levantar e de se ir sentar no lugar do colega!

Se lhe perguntar:
"Que bicho te mordeu?"
Das duas uma: ou é menina e desata a guinchar só de imaginar que há alguma aranha por perto; ou é menino e responde-me simplesmente - "nenhum". (passando-lhe absolutamente a anos luz a minha alusão ao facto de se passar algo de estranho com a criatura!)

Se tentar ralhar:
"Quantas vezes já vos disse que não brinquem com as tesouras?"
Eles são bem capazes de me responder: "Muuuuuiiiiiitas"
Em coro! E com alegria! Acreditando piamente que era essa a resposta que eu queria ouvir, continuando a acenar com as ditas tesouras, a esgrimir os objectos cortantes no ar como se nada fosse. Porque, de facto, nada foi. Em bom abono da verdade, eu NÃO dei uma ordem. Eu fiz uma pergunta!


Isso é extenuante.
Ficam-se pelo sentido literal e gimnasticar a expressão para a frieza da objectividade linguística é para mim, mulher de palavras, muito difícil.

De maneiras que isso nos impede de dizer coisas como:
"não te faças de Inês" ou "não te armes em Xico esperto", sem que eles queiram saber de que Inês ou de que Xico estamos a falar!

 Com ironia também não vamos lá.
No teste, uma "É para responder em Inglês?"
"Não, filha, em Japonês!"
Ela, aflita:
"Mas eu não sei Japonês!"

Suspiro!

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Perdidos e (nunca) achados


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De vez em quando, quem chega a um centro escolar do primeiro ciclo - e não obstante as instalações XPTO de que a maioria dispõe - pensa ter entrado por engano na feira da ladra ou, como costumo dizer, na Zara em dias de saldos, o que é a mesma coisa!

É que entra e é brindado com caixotes atulhados de roupas e objectos ...
que os meninos foram deixando esquecidos,
que as auxiliares foram recolhendo diligentemente como quem apanha conquilha em maré vaza!
e que entidades superiores mandam, com certa regularidade, expor no átrio...
na vã tentativa de o seu a seu dono.

A César o que é de César, 
mas o problema é que o César é mais cuidadoso com a bola do mundial, que nem redonda lhe escapa debaixo da axila do que com os seus devidos pertences, nem que sejam bordados a ouro!
Casacos e casaquinhos que a mãe impinge dia após dia e que só estorvam porque a correr atrás da bola o César tem muito calor.
A Cesarina, por sua vez, está mais interessada nas cartas do Lidle e nas do Pingo Doce, do que propriamente no lanchinho que a mãe lá foi comprar. De maneiras que, mais depressa perde a lancheira do que "as cartas".

Vossemecês não estão bem a ver...
São evarestes de tupperwares, lancheiras, luvas, chapéus e bonés, cachecóis, camisolas, casacos e até kispos! 
Como, por Deus, como é que uma família não dá por falta de um Kispo? 
Devem ter conta aberta na Modalfa ou coisa assim..
E... sapatilhas? como é que uma criança vai à escola e volta sem elas?
Descalça vai pera a fonte
Lionor pela verdura
Vai fermosa, e não segura.

Já dizia o poeta. (Camões) Não segura!

Sim, está bem, foi para a ginástica e tal...
a cabecinha de vento dos miúdos eu entendo; 
o que me faz confusão é a ... abundância? displicência? desinteresse? falta de tempo?  dos grandes...

Raramente aquela montanha tem desbaste,
raramente o seu a seu dono
e por fim, acaba por ser quase tudo entregue a instituições sociais.

Em bom estado, pouco usado e nunca reclamado.

Por isso, amigas com filhotes em idade escolar, aqui fica a dica:
quando precisarem de ir às compras, 
quando as sweats começarem a mostrar o pulso
ou eles rasgarem mais umas calças de fato de treino nos joelhos,
é passar no átrio e escolher!

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Aula da tarde

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Desta vez são três da tarde.
Não é muito tarde, mas já tiveram praí quatro horas de aulas: três de manhã, o almoço, o recreio, outra aula, e agora eu.
Está tudo agitadíssimo. Nem é propriamente o barulho, ainda que o exista!
É a inquietude,
o formigueiro,
os corpos a pedir para não estarem mais sentados nas mesmas cadeiras e nas mesmas posições em que estão desde as nove...

A Jéssica resmunga que a Vera tira cera dos ouvidos. "Que noiiiijo, pára com isso!"

O Frederico mete uma régua inteirinha à boca, fica com um ar distorcido, mas não se engasga nem nada e eu fico a pensar como conseguiu enfiá-la toda lá.

O Tomé, colega de carteira, prepara-se para fazer o mesmo com a tesoura , mesmo a tempo de eu dar por ela e o impedir.

O Tó hoje não está a fazer os vocalizos do costume para copiar o sumário...
gane,grasna, bale, relincha e cacareja, eu juro que cacareja!
É aqui que eu intervenho outra vez,
depois de já lhe ter perguntado se queria sair um pouco e ir lavar a cara à casa de banho,
depois dos colegas se terem queixado meia dúzia de vezes,
intervenho :
"Então, Tó, que se passa?"  
"Estou em modo quinta".
Redirecciono, sem gritar. Com uma mansidão que eu não sabia ter.
(Este é o menino que tem ataques de raiva e parte tudo, leva tudo à frente.)
"Eu quero em modo aluno de inglês, pode ser? Em modo best student in class!!!"
Sorri, suspende os grunhidos animalescos e copia.
Minutos depois recomeça. Aquilo não tem nada a ver comigo.
Faz-lhe falta para se conseguir concentrar. Nem sei se tem noção que o faz.

O Xano já se levantou umas dez vezes.
A Gabriela já me disse seis vezes que não trouxe o material.

O Luís está a tirar macacos do nariz,
como na rima tradicional,
mas desta vez é real e não lhe acho graça nenhuma

O Rodrigo morde a borracha compulsivamente.
Digo-lhe que espere, que está quase na hora do lanche e a sandes deve ter menos micróbrios.

O Rafa cutuca a Joana da frente com a biqueira dos pés.
30 segundos de tolerância depois, a Joana da frente berra com ele e guincha por mim em seu auxílio.

A Joana de trás prepara-se, finalmente, para encontrar o caderno de inglês, agora que já acabou o recadinho para a Francisca: "Ainda gostas de mim? Ou já não somos as melhores amigas?" Duas perguntas contraditórias, mas com direito a apenas um voto, uma resposta. Dois quadradinhos mal desenhados de opção Sim 


Esta malta estava toda a precisar de ir dar dois pinotes lá fora ou isto chama-se Indisciplina?

Carta ao professor novato - Parte 2

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Até agora falei-te do que te dirão os outros.
Agora, o que te digo eu.

1) Não te culpes em demasia. 
(Mas "eles é que não aprendem" também não é resposta)
Cientificamente há que ser rigoroso.
Menos do que isso, é incompetência.
Quanto ao resto, errar é humano.
Eles são muitos e às vezes a exaustão toma conta de nós.
Tiveste um momento mau? Assume, pede desculpa, segue em frente.
Resultados escolares? Dás o teu melhor? Falharam eles! Se falhou a maioria da turma, tens de te reajustar, parte da culpa é tua.(método; instrumento de avaliação; comunicação; busca factores e altera)

2)  Relativiza
Indisciplina?
Não leves nada a peito. Provavelmente não é nada pessoal.
Enforça as tuas regras e consequências, mas tens de tirar com uma mão e dar com a outra. Se te pões do lado de lá da barricada NUNCA ganharás essa guerra. Sem ganhares o respeito deles, sem os respeitares dificilmente vais lá.

3) Organiza-te
Planificar (nem que seja mentalmente), estudar os assuntos a fundo, preparar materiais atempadamente, vale a pena. Poupa-te tempo e fará com que a tua prática corra melhor. 

4) Actualiza-te
O mundo está em constante mudança.
A formação é fundamental.
Estes miúdos vivem na voragem da informação. Não te deixes acomodar.
Eles têm tudo à distância de um clic. O teu papel tem de mudar.


5)Ri-te
Das  tropelias que acontecem na aula, das saídas espontâneas deles, de ti próprio, também.
Eu sei que esta dica é muito pessoal, mas, a meu ver, sentido de humor é fundamental.

6) Conquista-os pelo coração
Respeita-os como seres humanos. Autoridade não se impõe, conquista-se.
Fá-los sentir respeitados, ouvidos, relevantes no processo. Envolve-os nas tomadas de decisão 
(sim, é possível, mas escrevia todo um outro post sobre isso) 

7) Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque
Criares um ambiente porreirinho na sala de aula e teres uma boa relação com os teus alunos não quer dizer que vás para o café com eles. Parece-me que não é essa a tua função e que não é útil misturar as coisas.
Também não significa que não imponhas os limites nas horas certas. As regras têm de ser claras desde o início e são para ser cumpridas. Pisar o risco deverá ter consequências (e não, não estou a falar de lhes roubar o intervalo, isso, a meu ver, é batota).
 
8) Adapta-te
A palavra chave é flexibilidade. 
Diferentes turmas, diferentes alunos, diferentes contextos exigem flexibilidade. 
Não podes ensinar da mesma forma a alunos do ensino regular ou a alunos do ensino profissional (embora os estúpidos dos programas sejam idênticos).
Não podes usar as mesmas estratégias para o ensino secundário ou para o básico.
Uma turma de crianças não funciona como uma turma de adolescentes ou de adultos e por aí fora. 

9) Dá por eles
Eu sei que é difícil, que eles são muitos, que temos programas apertados a gerir...
Mas, por vezes, perder tempo não é perder tempo. Olhar nos olhos e querer saber o que têm para contar pode fazer com que se sintam relevantes, e, consequentemente, colaborantes. Por isso, sim, deves escutar com atenção porque é que a Joana veio a chorar do intervalo ou tirar uns segundos para elogiar os desenhos grafitados que o Manel passa a aula a fazer.

10) Une-os
Arranja estratégias para que funcionem como uma equipa, que colabora para atingir melhores resultados. A turma é um grupo, funciona melhor se conseguires que se torne coeso e colaborativo.

11)  Modera
Como professor vais ter de  passar o tempo a apartar rixas e desavenças. Como está na moda agora dizer-se, terás de ser um bom gestor de conflitos. Passa-lhes a pasta. Não sejas juiz, mas moderador. Habitua-os, a eles, a dialogar para resolver problemas.

12) Entrega-te
Este não é um "trabalho" como os outros. É uma paixão.