terça-feira, 26 de novembro de 2019

Aprender com quem é grande

Ontem o M teve teste de inglês.
Um teste igual ao dos outros meninos.
O mesmo número de perguntas, a mesma tipologia de exercícios, sem ajudas adicionais, nem tempo extra para as tarefas. Apenas estava eu ali, ao lado dele, se necessário fosse- que ele não deixava ser.
Acho que só fui verdadeiramente útil num momento em que lhe caiu o lápis ao chão. Pediu-me delicadamente e por favor que o apanhasse. Aparentemente sem se zangar com a cadeira de rodas, ao contrário de mim, que lhe chamei estúpida, atrapalhas mais o miúdo do que o que ajudas.

Também me voltei a zangar e roguei pragas internas, uma vez mais, ao estúpido micróbio ou bactéria ou raio que parta o infinitamente pequeno e poderoso que tingiu esta infância.
Foi no momento em que o M resolvia o exercício de compreensão oral (listening).
Ele compreende tudo; escuta, identifica e entende instruções na LE, como é suposto nesta fase.
No entanto, para ele, a dificuldade é acrescida.
Não linguistica nem cognitivamente, mas em termos motores.
Tem de se digladiar com os lápis de cor; trocar de lápis com a mão esquerda que agora usa para escrever e colorir, uma vez que a direita, que era a dominante) jaz ali, inútil, quieta, vestida com uma corrente de couro verde que serve para, pelo menos, não se encorrilhar.
Maldito microorganismo!
Mas meteu-se com o menino errado.O M é um lutador.
Nenhum deste desalento que escrevo é dele ou pelo menos me foi alguma vez expresso por ele.
Tudo isto são indigestõezinhas emocionais minhas.
Ele, não.
Escuta. Atento, ávido. Agarra a cor, pinta; troca de lápis; por vezes, morde a língua de esforço, como qualquer criança.
Um exemplo de garra, o M. Quando vem para a escola, de tarde, já fez umas poucas horas de fisioterapia. Bravo guerreiro.

A páginas tantas está a ordenar umas palavras, para construir uma frase correcta. Aponto-lhe para "favourite", aceno que não com a cabeça, que ali não é o lugar certo daquela palavra. 
Ralha-me: "Qué no! Si me dizes lo que debo contestar voy a sacar Muy Bueno en la prueba!"
(como se ele precisasse de mim para isso!)

Eu juro!
Juro que não lhe tinha dito mais nada, que aquilo foi um acto quase irreflectido, que não lhe dei resposta alguma, apenas indiquei que estava errado e juro que não era minha intenção favorecê-lo. Expliquei, tentei explicar, mas  o nosso herói foi contundente: "No me ayudas!" 

Pois não, M!
Deus sabe!
Ajudas-me tu a mim!
Nesse exemplo de rectidão, valentia e esforço.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Integração Sensorial

A imagem pode conter: 3 pessoas, texto

Hoje fui a uma palestra sobre Integração Sensorial no Contexto Educativo.
Foi extraordinariamente pertinente e enriquecedora.
Conceitos bem definidos, exemplos e muitas ideias práticas para a sala de aula.
Considero que este tema deveria ter maior notoriedade e parece-me incrível que esteja ausente dos currículos de formação de professores e educadores actuais.
Eu fiz dois cursos via ensino e precisei de ser mãe e andar a navegar na net para ouvir primeiramente o conceito. Muitos professores ainda têm apenas conhecimento dos cinco sentidos tradicionalmente ensinados na escola, nunca ouviram falar do propriopercetivo nem do vestibular e estão a anos luz do entendimento que disfunções a esses níveis podem ter nos seres humanos que têm à frente nas salas de aula.
Escreverei um post mais alargado sobre isto, um dia destes. 
Por hoje, o conceito básico: há meninos a quem um sistema de processamento sensorial desregulado altera a vivência e a percepção do mundo real. Os estímulos sensoriais à sua volta (cheiros, ruídos, cores, movimentos, sons) emitem sinais poderosos, não processados, que funcionam como uma agressão. 
Estar numa sala com mais vinte e tal crianças, nestes casos, é um desafio evidente. Estar sentado, focar-se, copiar do quadro, escrever em cima de uma linha (entre muitas práticas escolares) é um contexto muitíssimo exigente.
Como profissionais não poderemos, talvez, fazer muito quanto à organização dos espaços e mobiliários facultadores da estabilidade destas crianças. Porém, a nossa consciencialização para estas questões pode, por exemplo fazer-nos ser mais empáticos com a Sarinha que rói tudo o que é borracha e lápis ou com o Miguelito que se senta com as pernas em W. Pode haver uma razão sensorial - fisiológica- para este tipo de comportamentos, que, até agora, sancionávamos como desajustes comportamentais. Tomar consciência, ajudar-nos-á mudar a perspectiva de punir para ajudar.

domingo, 10 de novembro de 2019

Funny Little Thing

Hora de almoço.
Entro num supermercado junto à escolinha para ir comprar uma água,
vejo um aluno meu acompanhado da avó
e antes que tenha tempo de me dizer éloutxitxa
"Olha quem ele é! Já arranjei quem me pague as compras!
Um aluno que gostaria de ter Muito Bom!!!"
A menina da caixa sorri do gracejo.
Ouço a avó sorridente a dizer que eu sou simpática.
A cena passa. Compro a água. Vou à vida.

Na aula seguinte, já esquecida de tudo isto,
o miúdo vem ter comigo,
de sorriso muito cúmplice e maroto,
estende-me uma moeda
(tenta ser discreto, mas está eufórico)
"Aqui está, para aquele nosso negócio!"

Pinta de garotos!
Sentido de humor e à vontade com os adultos.
E acho que, a troco de uma piada inocente
quem ganhou fui eu!
Não a moeda, o miúdo!😉

terça-feira, 5 de novembro de 2019

DEZANOVE!!!

Resultado de imagem para teenager pile of books, free clipartÉ muito raro, mas, de vez em quando, cruzamo-nos com um aluno cujo estilo de aprendizagem combina muito com o nosso estilo de ensino, ou cuja etapa desenvolvimental se enquadra no nosso momentum, ou simplesmente cujos ouvidinhos deixam entrar o que temos para lhe dizer. 

E então, lentamente, passo a passo, desabrocham e os resultados surgem.
É uma alegria extraordinária! 

Eu recebi um catorze desconsolado 
que queria muito ultrapassar a mediania 
e atingir a excelência. 

Levou-nos um ano; trabalhou tanto!!!
Infelizmente não opero milagres 
e só conheço esse árduo caminho para o sucesso académico 
- o trabalho. 
Trabalhou muito, frustrou várias vezes; 
fui ajudando também nessa parte, na confiança e perseverança. 

Hoje o catorze foi dezanove e umas décimas. Ficámos contentes!

No barulho da escola de massas, em que tantas vezes nos digladiamos em ajudar os sofríveis, esquecemo-nos, por vezes, destes saltos meritórios de empenho, resiliência e esforço.

Já sabemos que as notas valem o que valem, 
que o adolescente, a pessoa, 
é mais do que aquela classificação ou número, 
mas como contornar o facto de que esta conquista numérica 
é um sucesso, uma vitória, um progresso 
- não apenas em termos académicos, mas também de crescimento pessoal. 

Eu assisti (mais do que isso, monitorizei, acompanhei, estimulei) ao vocabulário a expandir-se, ao domínio progressivo de técnicas de escrita, de leitura e de expressão oral. Mas também vi crescer a autoconfiança, a tolerância ao erro, a tomada de consciência das fragilidades, a motivação, até a maturidade.

Tudo isso me enche de orgulho. 
É um privilégio trabalhar assim.
Parabéns lutadora!