quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Miúdos com sorte

Resultado de imagem para mickey  dentist"Tíxeeer!"
Como de costume, a meio de um exercício, quando lhes dá na cabeça.
"Yes?"
"Olha, eu hoje vou sair mais cedo porque a minha mãe vem-me buscar para irmos ao dentista."
"Está bem. Órait! Se tem mesmo de ser, depois acabas for homework! You finish em casa at home, ok?"

(sim, eu sei, pareço uma turista britânica de férias no Algarve há três meses; construo frases misturadas em três línguas para eles me entenderem e, às vezes, nem assim! Três línguas, sim. Não me enganei: inglês, português e childês ou infantilês, se preferirem, que é a linguagem da basicidade porque o meu vocabulário de adulta na língua materna também é estrangeiro para eles!)

"Está bem tíxEr! Eu faço!"
"Vai lá, então, to the doctor! Porta-te bem no dentista, mostra-lhe os teeth todos, mesmo os que te faltam!"

Intervalo. Cházinho, na sala dos professores. A meio do meu iogurte com cereais e nozes lembro-me de avisar a professora titular de turma que o menino saiu mais cedo.

"Bem sei; já tinha tudo combinado com a mãe dele. O que ele nem adivinha é que não vai ao dentista... Vai daqui directo passar o fim de semana prolongado na Disneyland Paris!"

Grande surpresa!
Nem imagino como disparará o coração de um piolho de oito anos ao descobrir que ao invés de ir limpar as cáries na nunca-muito-ansiada-cadeira-do-dentista vai fazer a viagem de sonho de qualquer catraio! Grande surpresa!

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Na caixa do supermercado


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       Dois carrinhos cheios à minha frente. O habitual pensamento de que a caixa ao lado teria sido melhor escolha, porque a nossa percepção nos diz que anda mais rápido. As filas onde alinhamos andam sempre, invariavelmente, mais lentamente. Aquelas que eu escolho empancam sempre. Um cartão que não aprova. Um cupão fora de prazo. Um produto sem código de barras. O escarcéu.  
      A senhora à minha frente pousa uma caixa de cartão com um carregamento para pistolas Nerf no tapete deslizante. Penso, já estás grandinha para brincar com isso. Sorrio para a ideia dela, de mola na cabeça, casa fora, a brincar com a pistola atrás do marido em cuecas. Agora dispõe alimentos. Escolhas que não seriam as minhas. Cereais muito açucarados. Ice-teas gigantes. Batatas fritas, packs familiares delas. Agora, comida. Mais uma vez, produtos pelos quais não opto: nuggets, douradinhos, lasanhas pré-confeccionadas, o tipo de coisas que, penso, os meus filhos devem comer às carradas nas cantinas, pela comodidade - de preparar e de consumir (agrada ao paladar dos pequenates).
     Reparo que pintou o cabelo hoje de manhã. Ficou bem, embora ainda revele marcas de tinta na testa e nas patilhas, ao lado das orelhas. Cabeleireiro de bairro, provavelmente. Não, hoje de manhã não. Ainda são onze horas. Não deu tempo. Talvez ontem à tarde, antes de ir buscar os miúdos à escola. Miúdos, sim, deve ter dois. Um das fraldas que agora colocou no tapete, o outro da pistola, pois claro, era para o mais velho, não para ela. Também fez o buço. Ainda está vermelho. Se calhar, então foi mesmo hoje de manhã, cedinho, assim que os largou, na ama e na escolinha. Arranjou as unhas, essas estão decentes. De gel, vermelho. Outra opção que eu teria saltado (o rubro). De qualquer forma está melhor do que eu, que precisava desses três cuidados e não arranjo tempo nem para um. O meu cabelo está curto e desgrenhado, o buço comprido e destratado, as unhas clamam lima, nem sei sequer se tirei as remelas. 
     Olha, a caixeira da fila ao lado já aviou mais um. Eu não me mexo. Comprou pensos higiénicos, a senhora da frente. Deve estar naquela altura do mês; portanto o bebé já não é recém-nascido; mas ainda não dorme a noite toda, a avaliar pelos papos que traz debaixo dos olhos. Pensando bem, não é critério. Eu também os trago e já não tenho quem chore de noite. 
     Isto não desanda. Para a próxima vou para aquelas que somos nós a fazer o serviço; aquelas em que passamos os produtos e tudo. Fazemos nós o serviço e pagamos o mesmo, mas, pelo menos, a gente tem a sensação de que está a fazer alguma coisa para resolver o problema. Agora assim... este impasse! Ainda por cima o caixeiro é feio! Jovem, mas bexigoso. E a precisar tanto (ou mais) de um corte de cabelo como eu. Chama-se Eurico, leio na lapela. Coitado. Um mau emprego, uma cara estragada e um nome feio. Oxalá tenha sorte noutras coisas.
     O marido da senhora da frente gosta de uísque; acabou de pousar duas garrafas de uma marca com duas letras no tapete. Ou, se calhar, já é para oferecer no natal. Ao sogro. Ou ao chefe. Ou ao vizinho que fez o favor de lhe trazer um saco de cebolas e uma tronchuda. Ou então é mesmo para ela, ao serão, depois de deitar os putos, enquanto vê a novela. Assim como assim, talvez isso explicasse as bolsas debaixo dos olhos.
     Vai pagar! 
     Temos esperança! 
     Talvez eu ainda consiga enfiar 
a correcção de testes/ 
roupa estendida/
preparação do almoço/
escrita de crónica/
leitura-de-só-mais-um-capítulo-deste-romance-que-me-traz-agarrada-e-me-faz-a-mim-papos-e-olheiras 
antes da uma hora da tarde!
     O caixeiro feio tem um apelido pior do que o nome próprio, reparo agora que avanço três passos: Carqueijo. (como o chá?) Franzo os olhos míopes para focar. Sai-me, em voz alta, Carqueijo? Ele explica, amavelmente, solícito, feliz por sair do discurso formatado (cartão XXXX? cupões? vai desejar factura com número de contribuinte? tem quatro euros e vinte e oito cêntimos de saldo, deseja descontar?)  Carqueijó, é Carqueijó, na impressão é que não saiu o acento; é um apelido ainda muito comum nesta zona. Ah, pois muito bem, era mais um saco, por favor. 
     Ala que se faz tarde! E esta espera trouxe-me a urgência de mais uma tarefa a entalar nos meus múltiplos afazeres: procurar a cabeleireira lá do bairro!

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

As cores da Black Friday

Estava para aqui a magicar que a sexta-feira negra faz jus o seu epíteto, não apenas porque há um certo apagão nos preços (haverá?) e, supostamente, descem os dígitos, mas também porque aquilo se tornou numa selvajaria tal que, há relato, não é difícil sair dos estabelecimentos comerciais com um olho negro. Lá está. Negro.

A verdade é que este é mais um dos grandes esquemas de marketing para nos varrer as já tão arejadas carteiras e que, amiúde, as promoções imperdíveis mais não são do que preços inflacionados cortados ao meio, com largas margens de lucro para quem vende e muito afastados do valor real dos produtos. Assim:
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Na voragem consumista, muitas vezes, esquecemos-nos de raciocinar. De optar em consciência. Sem manipulações. Em liberdade. Por isso é que - não ironica, mas propositadamente - é neste mesmo dia que se celebra o BUY NOTHING DAY. Um movimento antagónico que propõe que não se compre nada na famigerada sexta feira de saldos loucos.

O que me diverte é que  a Black Friday se prolongue por dez dias, como ouvi nalgumas campanhas. Dá-me vontade de rir que, na prática estejamos a falar de uma black Friday-Saturday-Sunday-Monday-Tuesday-Wednesday-Friday-and-so-on-and-so-on-etc-etc.... Neste caso será muito mais black (negra) do que Friday, uma vez que chegaremos ao final da dezena de descontos completamente depauperados. Negro!

Já estou como o outro, o do cartoon aqui abaixo, depois da sexta-feira negra vem de certeza o sábado vermelho, com népiazinha na algibeira!Vermelho!

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quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Viroses

Dores de barriga.
Resultado de imagem para child with stomach ache clipartMuitas dores de barriga.
Todos os dias.

Todos os dias a Sarinha tem de abandonar a aula
e beber chazinho.

Muitas vezes chora, agarrada ao ventre;
Muitas vezes tem de ir embora,
que não suporta as dores
e tem de se ligar à mãe para a levar ao médico ou para casa.

Viroses,
chamam-lhe,
viroses.

Consecutivas viroses depois,
à décima nona aula que tens com ela,
apercebes-te
que dos duzentos alunos a quem que ensinas
a Sarinha é a que sempre tem dores de barriga
finalmente vês
percebes
enquanto escreves o summary
e ela se queixa,
choramingosa
melada,
carente
finalmente abandonas os outros vinte e cinco
a fazer legendas de places in school
e aninhas-te na carteira dela
e dispões-te a ouvir
a compreender que virose é esta que a não larga.
Uma vez que ela já foi e voltou da casa de banho,
perguntas se está melhor.
Não está.
Está triste e chora baixinho,
ou melhor,
CHORA
inaudivelmene
- só lágrimas cheias e soluços.

Então:
vês
entendes
perguntas
sabendo o que vais ouvir...

que tem saudades
que o pai não está em casa
que foi para Lisboa

perguntas
(mais uma vez) adivinhando a resposta que vais ouvir
O que faz?
É professor.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Vai-te encher de moscas

Já falei sobre isto anteriormente.
Resultado de imagem para vai-te encher de moscasVoltar ao assunto significa duas coisas: primeiro, que a luta continua; segundo, que a minha vida é tão desinteressante que não arranjo tópico menos prosaico sobre o qual me debruçar.
Enfim, MOSCAS.
Começo a perceber por que razão "Vai-te encher de moscas" é uma praga da pior estirpe. 
Haverá ruído mais irritante do que o zunir das moscas?
Elas a voar aos pares, em grupos, em bandos?
A gente a mirar e a acertar pontaria para uma singela mosquita poisada num espelho e assim que disfere o golpe e ela tomba, saem de lá mais duas, solidárias, evidentes, arrogantemente presentes... argh!
Eu acho que elas já me conhecem e passaram a palavra e foram buscar reforços a todas as vacarias da vizinhança e arredores. De certeza. Correu o boato. É uma conspiração de asas zumbidoras.
Eu, concentrada, de olhos esbugalhados e mata-moscas na mão, prestes a eliminar a próxima vítima e dou de caras com a surpresa da vizinha, amedrontada a tentar perceber o motivo do meu ar ameaçador. Figuras ridículas que um gajo faz por causa das manchas negras voadoras!
Argh!
A esfregar as patinhas...
Argh!
A deslizar
nas mesas,
nos balcões,
nos candeeiros,
nos vidros,
em todo o lado...
Socorro!
Nunca como agora,
eu,
à espera que a mosca pouse...
tensa, braço em riste, sentidos alerta, coração aos pulos, dentes cerrados, concentração ao máximo, olho fixo...
deve ser assim a caça;
mas esta é inglória:
mato uma, vêm mil ao funeral!
Ah, ignomínia!
Ah, infâmia!
Ah, desplante!
Ah, audácia vil!

E se "não é com vinagre que se caçam moscas",
então com que raio é?
Alvíssaras a quem encontrar a resposta!

domingo, 5 de novembro de 2017

Ó Dóóóóóna!


Resultado de imagem para plumber whistling clipart No outro dia chamei cá o senhor para compor o autoclismo que pingava.

(Eu tenho para comigo que os canalizadores são homens muito felizes. Só podem ser. Conhecem algum que não assobie enquanto trabalha? Quantos de nós se sentem tão à vontade no exercício da sua função profissional que possamos dizer ter desejo de cantarolar ou assobiar?

Felizes e bem sucedidos. Por que não?
Bem aventurados os homens ou as mulheres que sabem cuidar das canalizações.
Ajudam a resolver a vida das pessoas, não têm mãos a medir, pelo que devem facturar bem e a gosto, gerem os seus horários a seu bel prazer. Invejo-os. 
Para além do mais, admiro-os. São daquelas pessoas. As máquinas falam com elas, olham para um dispositivo e percebem logo a engrenagem, a mecânica da coisa, detectam o erro, sabem compor. Eu considero isso extraordinário, especialmente porque a mim, a única coisa que as máquinas me dizem é que já fiz m***a outra vez e tenho de desembolsar de novo. É - literalmente- o preço a pagar por ser aleijadinha das mãos e surdinha dos ouvidos para escutar os desalinhos de motores, canos, torneiras, porcas e parafusos.

Mas, enfim. Adiante.)

O guru da entorneira lá veio escutar a gota que me assola as noites a pingar na sanita. 
(Cá em casa chamamos entorneira às torneiras. Foi a Maria que apelidou em pequena e, a meu ver, muito bem pois é o que faz - ENTORNA)

Deixei-o lá a trabalhar e desci para as minhas lides (roupas, molas, estendais e afins). 
O homem bulia lá na casa de banho há um bom quarto de hora sozinho, quando me pus a imaginar.
(eh pá, não! Não se prestava a esse  tipo de fantasias!)
A gente não percebe nada da poda. Eles levam-nos como o diabo esfrega um olho, se assim o entenderem. Na volta aquilo era super simples, já está mais que pronto e está o homem a engonhar, só para cobrar honorários que se vejam. 

(Há que desculpar-se o meu mau juízo, mas aqui entre nós que ninguém nos ouve, já alguma vez contrataram uma reparação destas e o conserto levou apenas cinco minutos? NÃO!A coisa prolonga-se...tem que dar tempo para assobiar pelo menos um cd completo do Tony Carreira, alto e bem orquestrado como se a nossa casa de banho fosse o Olimpiá de Paris!!!!)

Então, dizia eu, pus-me a fazer o filme: a esta hora já o tóclismo está mais que pronto e está o homem, sentado na tijoleira branquinha, a dar uns toques com a chave de fendas na parede, a pousá-la no chão para que eu oiça que estão a decorrer os trabalhos...

Ocorre-me que lá esteja bem sentadinho, quiçá a fumar um cigarro ou a mesmo a comer uma sandocha com bifana e a emborcar uma bejeca, enquanto, volta e meia, bate com as ferramentas no chão ou interrompe o assobio para suspirar muito alto ou fazer um gemido de quem está a aparafusar com força, só para fazer parecer que aquilo está a ser custoso e árduo... sabendo a gente que só vai ser penoso mas é para mim, que vou pagar!

Rio-me de imaginar que o homem pudesse mesmo estar a fazer a fita das ferramentas no soalho e apetece-me ir lá acima, surpreendê-lo a meio do panado de porco. Não tenho tempo. Ele clama:

"Ó dooooona!"
"Está prontinho!"

Olarila!
Já não me safo de:
ser chamada por dona, como as cotas;
ter que limpar as patinhadelas que deixou na casa de banho onde efectivamente esteve a trabalhar
e, claro,
de liquidar a factura das válvulas, bóias, ligações e serviço.
É limpinho!

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Saga Vida Nova - "tou c'a mosca"

Imagem relacionadaPara quem não sabe a nossa vida agora não é unicamente perfumada de maresia.
É que nós não mudámos apenas para a beira-mar. 
Nós mudámos para o CAMPO!!!!
Vivemos numa aldeia, onde,
consoante os ventos,
por vezes,
cheira a vacas
ou a estrume
ou a milho ceifado.

Ora: campo - moscas!!!!!!
MOS - CAS!!!
Pegajosas,
zumbidoras,
omnipresentes,
o raio que as parta!

Desde o primeiro dia declarei guerra doméstica e decidi exterminá-las cá de casa.
Tentei de tudo.
Fechar portas e janelas (mas por onde raio é que elas se infiltram????)
Espalhar sal grosso.
Enfiar Ezalos e DumDums em tudo o que é tomada.
Spraizar os compartimentos todos até ao limiar da asfixia...

Nada.

O máximo que consegui foi que andassem por ali meias grogues; finalmente percebi a expressão mosca morta, elas muito lentas, muito arrastosas, a irritar-me ainda mais com a molenguice e a desejar que estivessem literalmente mortas!

Estive prestes a comprar daquelas fitas deprimentes que se penduram no tecto para que elas fiquem agarradas, mas temi pelo meu Pedro...era capaz de ficar lá ele enrolado... melhor não!
Ainda dei com umas raquetes na dispensa que, suponho, as eletrocutariam  e - suponho também - os meus filhos iam adorar andar à raquetada cá por casa; mas as ditas precisavam de um adaptador de tomadas (coisa que, entretanto, ainda não comprei). Portanto, o squash de moscas terá de aguardar.

Então falaram-me na panaceia miraculosa para os meus males, um tal de Biokill infalível, que funcionaria como barreira invisível para impedir a sua entrada indesejada.

Acabo de infestar a casa toda com o spray da minha última esperança, entro na cozinha  e ali as vejo, grudadas nos meus vidrinhos acabados de limpar. Roguei pragas ao biotanga e desatei em investidas veementes de fúria homicida...

Ah! Não há como uma valente chicotada com o mata-moscas.
E quantas inflijo!
Tornei-me uma assassina nata (marta!).
Então quando se põem a esfregar as patinhas mesmo debaixo do meu nariz ou a chiscar nos candeeiros... levam logo uma palmatória que até deixa sangue, algo que se tornou, de alguma forma, perversamente satisfatório para a minha alminha enraivecida! Particularmente prazenteiro é também dizimar uma cópula, os parezinhos de asco que pousam em êxtase na bancada da cozinha e, enfim, assim morrem, com prazer duplo - o meu que interrompe o delas!

Portanto, está aberta a época de caça cá em casa. (Ou o tempo arrefece ou será o ano todo!)
Entretanto, e em bom abono do Biokill, a varejice melhorou. Aparentemente aquilo leva umas horas a produzir efeito e, de facto, se as não elimina por completo, reduz a afluência em grande medida. E ainda bem! É que eu já estava tendo uma luxação no ombro direito de tanto raquetar!