quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Gusto

Resultado de imagem para G, clipart
Há por aqui um miúdo que se chama Valter e a quem, muitas vezes, eu chamo Vasco. 

Anda-se cansado, eles são muitos, a memória já não é o que era...

O facto é que o garoto gosta da minha aula e de mim e percebo que fica triste por lhe confundir o nome...

(perdas de memória cavalgantes que um dia darão origem a todo um outro texto... se me lembrar!😄😄😄😄) 

Então senti necessidade de me justificar e lá comecei a explicar que tenho umas gavetinhas na cabeça onde arrumo os nomes próprios de acordo com a consoante inicial... e, de certa forma, esses nomes ficam todos nessa categoria e tenho tendência a confundi-los.... 

Por exemplo: para mim, Saras, Sofias, Sandras e Susanas é tudo a mesma coisa e dificilmente acertarei no nome delas, porque estão simplesmente na gaveta dos esses

O mesmo se passa com o teu nome, explicava eu, que está na gaveta dos nomes começados por ; não leves a mal, é um problema que eu tenho. Também me acontece com um menino de outra turma que se chama Guilherme e eu às vezes confundo-o com Gonçalo ou Gustavo, percebes?

"Gusto!", interrompe-me outro.

Ah?

"Gusto, professora, Gusto também começa por G"

Um milésimo de segundo assarapantada a olhar para ele, a tentar perceber a pertinência do comentário. 
(Sim, porque eu ainda faço esse esforço extenuante de tentar fazer sentido das interrupções mais das vezes disparatadas que eles fazem a toda a hora...)

Alguém me salva:
"Isso é Augusto ó burro!Não começa por G!!!"

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Saga vida nova - Humidade

A gente sai de casa, às sete e vinte da matina,
Resultado de imagem para moist, cliparte a calçada está escorregadia, orvalhada.
Não é nevoeiro,
mas sentem-se
as gotículas no ar,
entra pelas narinas,
cheira a água!!!
O volante está viscoso,
as mãos pegajosas,
conduzir é deslizar!

De onde eu venho,
no árido nordeste transmontano,
a água é um problema.
Aqui também.
Ali porque escasseia,
aqui porque sobeja.

Afinal a Mary até tem a quem sair!
Sabia lá eu que tinha caracóis rebeldes no cabelo!
Há mais de vinte anos que os não via!
A viver no litoral jamais andarei penteada!

Estender roupa é um contra-senso! Sabem aquela sensação de absurdo, de acabar de estender uma pilha de roupa e começar a chover? Pois bem, aqui essa é a realidade a toda a hora! Um gajo sente-se tão mais estúpido quanto percebe que está a expor a roupa ao vapor perene da neblina! Para quê? Para secar?

Os vidros da escola estão embaciados, as paredes choram e as folhas de papel encravam nas impressoras devido à condensação que as faz enrugar! Dá-me vontade de rir quando as funcionárias anunciam: "Hoje não vão brincar lá para fora que está tudo molhado!"
A sério?!
Como é que elas distinguem isso?
Não está sempre???!!!!

Chover no molhado é uma expressão que foi, de certeza, inventada em Esposende.
Ou na Póvoa. Ou assim.
Se não foi, ganha todo um novo sentido - literal- nestas paragens.


Há vantagens, pois então, de viver neste ambiente aquoso:

- tenho sempre a pele hidratada;

- não preciso de regar as plantas;

- crescem-me coentros, espontaneamente, no capot do carro
Carro esse cujos pneus e escovas jamais ficarão ressequidos;

- As letras dos envelopes na caixa de correio liquidificam de tal forma
que se forem contas avultadas posso alegar que as não recebi!

- Nunca vamos ter cá em casa espumante meio seco, muito menos bruto (que é extra seco)! Melhor! Eu prefiro mesmo o doce!

- Quando aparecer bolor nalgum sítio faço negócio com a indústria farmacêutica. Alguém sabe a quanto é que está a grama de penicilina?

- Aqui o futebol é um desporto náutico! 
Quer dizer, pago uma modalidade e a criança faz duas: futebol e pólo aquático.
Saio a ganhar! Que mais quero?

Como é que eu hei-de explicar? 
Não é que esteja tudo MOLHADO, ENCHARCADO ou INUNDADO à minha volta, mas a verdade é que nem me atrevo a tentar TORCER as cortinas que tenho penduradas e que planeio trocar todo o calçado cá de casa por galochas de pescador! Ou barbatanas!

Quando cheguei a esta casa, dei com um aquecedor enorme encostado a um canto. 
Aquecedor!!!!!
A minha feliz inconsciência da existência de um mundo liquefeito!
Pensei: assim que o tempo arrefecer já te experimento.
Surpresa, surpresa!
Aquilo só fazia vento e tinha um recipiente onde, vim a descobrir, acumulava água, pois claro!
Era um mega desumidificador, que, entretanto, está de serviço permanente  cá em casa, numa vã tentativa de aspirar o mar das paredes! O gajo bem que suga, suga, suga, mas parece que viver à beira-mar não lhe facilita muito a tarefa!



quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Abraço forte (nano-conto)


Resultado de imagem para melonheads hug
ERA UMA VEZ...
uma funcionária 
que todos os miúdos na escola adoram.

Certa tarde, 
deu um  abraço tão forte a uma menina
que lhe partiu os óculos!

Não vos parece enternecedor?


terça-feira, 16 de janeiro de 2018

AMAZING

Resultado de imagem para céu cor de rosa com nuvens
Saio de casa, atarantada.

São sete e vinte da matina,
 está frio 
e o meu cérebro ainda está meio adormecido.

Sonolenta e a contra-gosto,
mastigo a incomodidade de ir trabalhar tão cedo,
a incomodidade de ir trabalhar!

Lembro-me da vizinha que tem a sorte de trabalhar todo o dia em pijama, ao computador,
faço planos de arranjar um emprego digital,
aconchego o casaco, 
fungo o nariz arreliada, 
dói-me a cabeça 
ou apetece-me que me doa a cabeça 
para não ter de ir trabalhar, 
reparo que não engraxei o raio das botas, 
mais um privilégio que tem quem não sai de casa para laborar, 
quando arranjar o meu teletrabalho nunca mais engraxo as botas, 
ando de pantufas o tempo todo 
e rebolo no sofá, 
com a manta 
e o portátil 
e a felicidade toda numa chávena de chá!

Levanto os olhos e, finalmente VEJO. 

Alvorada deslumbrante!
Há um céu cor-de-rosa raiado de nuvens por cima da minha cabeça efervescente. 
Tonalidades magníficas que o meu cinzentar rabujo ainda não me tinha permitido ver. 
Uau! Pasmo, uns segundos, sem entrar no carro.

A natureza a brindar-me com  a alegria e a beleza de estar vivo. Obedeço. Tenho a decência e a humildade de calar as resmunguices interiores e de reconhecer o privilégio que é assistir a este deslumbre, fazer parte dele!

Entro no carro, dou à chave. Está a dar "Amazing" dos Aerosmith.
Nem de propósito, mesmo no refrão:

It's amazing
with the blink of an eye you finally see the light
(É incrível
Num piscar de olhos, finalmente vês a luz)

Mesmo!

It's amazing
When the moment arrives that you know you'll be alright
(É incrível
Qunado chega o momento sabes que vais ficar bem)


Vou mesmo.
Obrigada pela mensagem, Deus dos céus!


terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Chinês

Resultado de imagem para traditional chinese man, clipart
Por vésperas de natal corri tudo atrás de um pedido da Mary: umas sapatilhas com rodas. A coisa estava difícil.  Onde é que eu hei-de encontrar tal chinesice? Ora, pois claro! No Chinês.

Aqui, como um pouco por todo o país, não falta escolha.
Portanto, lá estaciono em frente a um grande armazém com uma mega montra iluminada de luzinhas pisca-pisca e repleta de árvores de natal artificiais, fatos de pai natal e de mãe natal de gosto e qualidade duvidosos, tralhas e quinquilharias múltiplas e inenarráveis.

Entro,
na expectativa de lá encontrar o velho atarracado afogado atrás do balcão num mar de plásticos e tarecos artificiais, enterrado naquele cheiro a polímero artificial, compenetrado a assistir a filmes em mandarim no youtube. Preconceito meu.

Engano-me.
Não é que eu estivesse propriamente à espera do estereotipo encarnado do tradicional traje chinês, cetim vermelho debruado a doirados ou seda azul com pássaros e dragões bordados, quiçá até com o bigodinho da praxe... Mas também não estava à espera daquilo. Afinal temos a cabecinha cheia de gavetas escusadas e imprestáveis.

Era um jovem definitivamente asiático, bonito, perfumado, bem vestido. Calça caqui chino, com dobrinhas no fundo, estilo Tommy Hilfigger; pullover justo com aplicações  aveludadas nos cotovelos; os colarinhos e as abas da camisa de ganga a sair propositadamente do pullover e em pendant com os sapatinhos de vela azuis.

Também o seu português, e particularmente o seu sotaque do norte, era surpreendente.
Falava fluente e vivamente ao telefone,
sem trocar os erres pelos eles,
trocando- isso sim- os vês pelos bês,
abrindo muito as vogais à norte
e dizendo coisas como
"Que chunga!!" e "Esse trengo que apareça, combinamos umas cenas e bazamos!"

Sorrio,
muralhas de prateleiras adentro, ao ouvir aquele vocabulário juvenil e nortenho na boca dele
(sabem como é, naquelas superfícies as vozes ecoam)
Penso:
segunda geração, certamente nascido e criado em Esposende,
um português de gema
estudaste na nossa secundária
conheces os Lusíadas
leste Pessoa e Saramago
se aqui moras
certamente já foste ao arraial do Santoinho
beber uns canecos, comer umas sardinhas, cantar Quim Barreiros ou até mesmo dançar o vira!

Não encontro as ditas sapatilhas
e, como de costume, já me estava perdendo no barulho visual daquelas prateleiras carregadas de cores e de objectos inusitados que demoro a deslindar, que me implicam esforço visual a focar, um verdadeiro esforço de percepção, esforço sensorial, se é que me entendem. Saio sempre destes espaços com os olhos esbugalhados de esforçar a miopia para ver, para focar e sinto-me também, amiúde,  meia nauseada do cheiro a borracha e incenso.

Desisto de  procurar.
Vou pedir ajuda.
Atende-me com simpatia, educação e mesmo alegria.
Um grande sorriso e inflexões melódicas na voz.
- Não, já não temos. Houve uma altura em que vendemos muito disso, mas agora já não.
Lamento imenso. Por que não vai ali abaixo, àquela loja nova que abriu ao fundo da rua? É capaz de ter...
- Qual? A do...
Interrompo-me,
engulo a palavra.
Raisparta! Não se diz a um chinês que vamos à loja do Chinês!
Mas como raio é que se diz?
Durante uns milésimos de segundo, hesito.
Procuro a palavra na minha cabeça: venda? mercado? drogaria? estabelecimento?
Nenhuma me parece correcta. Dizemos o chinês para significar uma determinada realidade que todos conhecemos, mas, cum raio, não é muito politicamente correcto designar uma funcionalidade, um negócio com uma nacionalidade ou raça, pois não? Soa xenófobo. Soa discriminatório. A mim, naquele momento, soava-me (pela primeira vez na vida) incrivelmente inapropriado.
-Qual loja?
pergunto para ganhar tempo, e ele:
- A nova, que abriu do outro lado da rua... é muito boa também!
Não me está a ajudar, falta-me a palavra.
Penso que sei ao que se refere, mas parece-me estranho que me esteja a sugerir a concorrência.
Penso ainda: deve estar mesmo a indicar-me outra loja do Chinês, assim como assim eles são todos da mesma família - censuro-me internamente; que disparate! preconceito meu!
Aponto
- Ali?
- Sim. Boa sorte.
- Obrigada. Boas festas.
- Um óptimo Natal e volte sempre.

Entro no carro, a magicar.
Um gajo não diz ao Chinês que vai ao Chinês.

BAZAR!
De hoje em diante vou esforçar-me por dizer bazar. O bazar do chinês. 😆



segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Resoluções do Primeiro Dia do Ano - ou de como a vidinha não se compadece com metáforas idílicas e abstractas

Resultado de imagem para washing glasses, clipart
Resoluções do Primeiro Dia do Ano a fazer jus aos votos brindados na Última Noite do Ano:

1) SAÚDE
Lavar os flutes peçonhentos do champanhe adocicado e os resquícios aziumados do vinho tinto nos copos de balão... para não incubar bactérias e cenas que fazem mal.

2) AMOR
Aspirar migalhices dos vinte pratos, entradas e saídas degustados, bem como fitinhas e confetis de alegria entranhados em tudo o que é canto, desde o vinquinho do sofá à parte traseira do bidé... todo o esforcinho, claro, com muiiiito amor!

3) ALEGRIA
Fazer uma duzinha de máquinas de roupa - toalhas de mesa e guardanapos tingidos com o tinto da alegria da véspera; roupas a cheirar a tabaco dos sítios festivos em que estivemos; aventais e panos de cozinha conspurcados pela confecção do repasto de Ano Novo! Tudo com um grande sorriso de alegria nos lábios!

4) DINHEIRO
Acomodar e congelar toneladas de restos de doçuras e petiscadas que podiam aprovisionar um exército e, sabe-se lá como, foram sobrantes para nós. Acondicionar tudo no gelo, por forma a potenciar futuras e económicas marmitas.

5) AMIGOS
Estes não aparecem, no dia seguinte à festa, para limpar esta desordem toda...


Soooo...
What's new?

Feliz 2018, gente!
O Novo com as mesmas lides do Velho!!!