terça-feira, 6 de agosto de 2019

Sérgio do Fôjo

Faz hoje um ano fui ao Fôjo com o Renato. Claro que isso deu azo a uma publicação do género "só me trazes a sítios finos", mas a verdade é que eu gostei muito de lá ir.
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Quem não sabe do que falo, um bar especial em Fão, espreite no face (Fojo)

Mal sabia, que a mítica do espaço terminaria, uns meses depois, com a morte do poeta que o construiu a pulso, o Sérgio.

O Sérgio, naquela noite, conversou muito connosco - chegamos cedo, fomos talvez os primeiros clientes. Falou-nos de Fão, da sua infância, de Deus, de vida, de Amor, de injustiças sociais, de sanidade, de irreverência. 

Contou-nos, por exemplo, que quando se deita, nunca deixa os dois sapatos alinhados à espera dos pés. 
Porquê?
O Sérgio era a essência do questionar. Nada na vivência dele era tácito, regularizado ou conforme.

Explicou.
Ponho um sapato ao lado da cama, o outro atiro com ele - para ter de o procurar.
A cabeça é preguiçosa e faz tudo sem pensar.
Pois assim um gajo tem uma razão para se levantar da cama.
Tem de ir procurar o sapato que falta.

Como dizia o Renato, livre - um dos homens mais livres que já conhecemos.
Poeta. Escritor. Filósofo. Genuinamente nosso e português.
Fangueiro sempre. Ora leiam:

"Vou-me diluíndo 
De um corpo para um vulto,
Entre um e outro suspiro, fingindo,
Num compasso indulto,
Na noite fangueira!
Vou largando a amarra,
Do rebordo de uma pedra,
Ao som da corrente passageira,
O Cávado se medra,
A vida se atenua quase inteira...
Mergulho no imenso dos teus olhos
E imprimo o passo em teus becos e cangostas!
Ó FÃO, adorno- te de páginas tíngidas e rendados folhos,
De sussurros e ecos sem respostas!
Quase a nú e no abismo do silêncio,
Onde o ruído tem mais volts que a força do teu mar,
As palavras são tão poucas e sem essência
Para num soneto ou num verbo teu nome glorificar!
No chafariz da minha vida,
A bica da Fonte do Bom Jesus
Enxagou sempre lágrimas de uma ou outra ferida,
Como o Senhor dos Passos,também carrego a minha cruz!
Só o bravio do teu pinheiro manso
Se vergava numa vénia de importância,
Quando o vento não dava descanso
À tua beleza e à tua fragância!
Só no seio da minha mãe querida,
E no leito do aconchego de seu abraço,
Senti outro tão grande amôr sem medida,
Ó FÃO que te embalo e de mim és um pedaço!
Já não sou espelho
Mas sombra de mim!
Também não sou um velho,
Meu espírito viaja sem fim!
Sou,por enquanto,um traço
Que se esvai na noite cerrada.
Cansado mas ainda a passo
Canto o fado ao toque das cordas da minha guitarra!
E junto à Ponte,no antigo Estaleiro ,
Arrasto-me na ilusão,
De viver a fundo o tempo inteiro
E de te amar eternamente FÃO!"
Sérgio do Fôjo
Mónica Cardoso Cardoso
Betânia Cardoso
15/12/2017
"Sérgio e Fão"
O Sérgio escrevia compulsivamente, compunha fados, era um pensador.
Defendeu o Cávado  e Fão com o coração.
Gritou pelos pescadores, pelas varinas, pela natureza, pela justiça.
Honra em tê-lo conhecido.
Recordá-lo-ei sempre pela irreverência e o espírito livre.

Lembrá-lo-ei sempre que for alimentar os patos e os gansos do Cávado.
(foi o Sérgio que primeiramente os lá colocou, respondendo em tribunal por isso)

E sempre que os meu sapatos estiverem descasados.


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