sábado, 8 de setembro de 2018

O contraditório

Aparentemente, do meu texto de ontem ( Deslumbramento) transbordava uma alegria tal, que os generosos amigos leitores me felicitaram e abençoaram vezes mil pela vida perfeita que agora levo. 

Ora bem, não é que Esposende não seja o paraíso na terra,
mas eu não vos falei de Agosto,
nem da nortada,
nem da humidade,
nem do facto de não haver médico de família disponível,
nem hospital sem ser privado.

A questão é que eu não quero contribuir para aquele deprimente sentir colectivo que o mundo das redes sociais promove - aquela doce ilusão de que as pessoas são todas muito felizes, mais felizes do que nós, que têm vidas perfeitas, como nos filmes, que tudo corre às mil maravilhas, sem contrariedades, nem desilusões, nem nervos miudinhos, nem ansiedades, medos, receios, fúrias, mágoas, tédios e vontades de fugir.

Pois cá em casa é disso aos magotes, sempre à turra e à massa uns com os outros, não se pense que não consigo estragar a linda pintura do pôr-do-sol dourado!

Desengane-se quem julgou que isto era tipo Miami Beach e que a minha vida era exclusivamente feita de glamorosos dias à sombra de frondosas palmeiras. Népia. 
Continuo a ter de estender roupinha, aspirar migalhas e pôr o lixo. 
Continuo a ter de lhes cortar as unhas dos pés para que caibam nas sapatilhas malcheirosas. 
Continuo a ter de berrar para que arrumem os quartos. 
E façam os trabalhos de casa. 
E não berrem um com o outro. 
(😁😁😁berrar para que não berrem!!!)

As idílicas caminhadas praia fora têm sempre banda sonora dos dois a reclamar em stereo, um de cada lado dos meus ouvidos (ainda bem que eu só vim apetrechada com dois! Ouvidos, claro está!)

"Portantos", amigos, aqui não há Pamelas de sorrisos descarnados e mamas saltitantes. 
Não apenas porque não tenho dinheiro para os implantes,
 mas principalmente porque a minha vidinha de Baywatch vai muito para além da praia. 
O que eu realmente tenho de vigiar (watch) não é a baía (bay), mas os alunos que lá por estarem eventualmente mais bronzeados, não são necessariamente mais amenos que noutras paragens do país.

Desenganem-se e sejam felizes. 
A minha vida, empurrada pela brisa marítima ou aos trambolhões na turbulência da nortada, é igual às outras todas. Só que os carros que não pegam, as birras dos catraios, os amuos dos adultos, os desaforos no trabalho, as ofensas, os mal-entendidos e os atritos não ficam bem na fotografia. Fazem, porém, parte da vida. Quem o não assumir, mente.

I rest my case.

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