quando somos muito teimosos
insistimos
insistimos em tentar emergir,em tentar recomeçar,
em tentar ser feliz aos solucinhos, em pequenas centelhas de momentos dos nadas do dia-a-dia.
A gente insiste.
Como se tivesse dentro de nós um daqueles coaches motivacionais de sorriso rasgado e frases pinterest à la carte, "persegue os teus sonhos", "só tu podes construir blábláblá"...
Teimar é muito útil. No meu caso é uma ferramenta de sobrevivência.
Mas cansa.
Tenho tentado percorrer e aceitar os ciclos de tristeza/ coragem com a teimosia que me muscula, ou resiliência, como se usa agora. Terapeutas, medicação, família e amigos ajudam muito a navegar estes ciclos de desânimo/motivação, indubitavelmente; mas, no fundo, o elemento propulsor é intrínseco e individual.
Aceito a tristeza, permito-me senti-la e deixo-a fluir porque faz parte da vida (embora pareça não haver grande lugar para ela na nossa cultura veloz e recreativa) mas tento não ficar a comer melancolia às colheradas num pote sem fundo.
A gente insiste.
Nos últimos anos tem sido cada vez mais difícil recorrer às minhas velhas tábuas de salvação:
ler, escrever, dançar, fazer desporto.
Fui deixando de escrever, porque o que tinha para expressar era demasiado triste, penoso e íntimo para uma exposição social.
Tentei vários regressos ao ginásio, mas, pela primeira vez na minha vida, aquele ambiente de euforia, música aos berros, energia electrizante, era-me doloroso. Forçava-me a ir e amiúde era forçada a vir embora porque as lágrimas corriam involuntariamente. De novo, uma exposição social escusada e indesejável.
Ler, o meu reduto de sempre, a evasão da realidade, a purga em certas passagens e personagens, a empatia expandida que nos ajuda a ler o mundo com maior flexibilidade e entendimento... tornei-me incapaz. Foi quando percebi que estou doente. A cognição afetada: da capacidade de concentração à memória. Incapaz de seguir o fio à meada, de reter o nome das personagens. Eu que lia 20, 30, 40 livros por ano, vários por semana, vários em simultâneo... de repente, o que era um prazer, começou a ser um esforço. Esforço em concentrar-me, esforço em lembrar-me do que havia lido...tomava nota dos nomes dos personagens em post-its para ir seguindo... enfim, o esforço era maior do que o gozo. Acabei por desistir. Espero que não seja irreversível, que seja circunstâncial, temporário e que algum dia venha a retomar essas capacidades.
De forma que tem sido muito duro teimar...
Quando somos teimosos como aquele copinho sempre-em-pé dos bebés...