segunda-feira, 6 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - Lavar as mãos

Hão-de ter reparado que não tenho escrito por aqui.     
Pois não foi pela quarentena desta quarentona; foi que efectivamente estive sem computador.

E, num piscar de olhinhos o nosso mundinho deu uma cambalhota tão grande que a gente leva tempo a recompor-se. O meu, em particular, fez um flic flac atlético.

Não é que eu não tenha escrito. Não posso viver sem escrever.
Mas não por aqui.

Portanto, o mundo está parado, estamos fechados em casa e há uma pandemia a ensombrar as nossas vidas. Há medo de contágio, há ansiedade e stress pelo confinamento, há saudades dos que amamos e alarmismos histéricos nalguns meios de comunicação social. Depois, claro, estamos todos em rede. Vemos tudo, ouvimos tudo, panicamos mais. Eu acho que a esta altura já todo o comum mortal "covidou" de alguma forma, ao mais leve espirro ou catarrito, mesmo que tenha fumado volumes de Português Suave durante esta vida e a outra.

Claro que esta que vos fala já deu consigo a lavar laranjas com Fairy como quem esfrega tachos e a deixar os pacotes de leite de castigo na garagem por uns dias, até haver paciência para a lixivização. Portanto, também panico.

O meu filho costumava divertir-se a dizer que não conhece mais ninguém que se divirta a limpar, isto porque eu digo coisas como: "Ia só dar uma aspiradela, mas entusiasmei-me" (ele acha inacreditável que alguém se entusiasme com limpezas!)

Portanto,para além de eu já ter em mim algo de obsessivo compulsivo em relação a limpezas, imagine-se o agudizar da higienização. É como fazer as limpezas da Páscoa, sem haver páscoa!

Tenho as mãozinhas e os olhinhos a arder das desinfecções, mas não há interruptor, comando ou maçaneta que me escapem!

O calçado fica lá fora. Os sacos das compras não saem da garagem. Confesso que até a roupinha que trazia no corpo já ficou integralmente na garagem, depois de ter ido ao hipermercado. 

Ah não é agora este vírus que me vem ensinar a higienizar! Sou filha de uma mulher que levava tudo à frente dela, limpava tudo, tinha nojo de tudo, uma mulher que não nos deixava por a mão em corrimões; uma mulher que atravessava a cidade em salto de agulha com duas filhas pequenas pela mão por ter nojo de andar em transportes públicos; uma mulher que dificilmente comia em qualquer tasco, porque a besuntice lhe dava azia e que, das poucas vezes que se viu obrigada a andar de autocarro interurbano se recusava a segurar-se e então andava ali a fazer um surf incrível, a cerrar as pernas magras com muita força para não tombar e, inevitavelmente a dar alguns encontrões ao povo.

E esta mulher era casada com um homem que nos mandava lavar as mãos a toda a hora e que, da primeira vez que almoçou com o futuro genro perguntou sem escrúpulos: "Já lavaram as mãos para vir para a mesa?"


Portanto, esta parte, eu já dominava!
Foi só substituir as lentes de contacto pelos óculos e o perfume pelo alcolgel!

Pessoal, recatem-se e cuidem-se: Lavem as mãos como os meus pais ensinaram!




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