quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

As melhores rabanadas de sempre!

Ontem à tarde, a metáfora perfeita para o 2020 inteiro.

Bad vibe
Estou debilitada, fraquinha, à luta com uma anemia, recebo telefonema da médica que estou com uma infeção não sei das quantas. Fico preocupada e arde-me logo a gastrite que 2020 também me trouxe. Chove imenso.

Good vibe
Saio de casa para ir ao cabeleireiro. Assim como assim está marcado e sempre arrebito.
De caminho começo a energizar o cérebro com resoluções de ano novo que envolvem mais forças do que as que realmente trago em mim.

Bad vibe
O meu carro entra na rotunda sem eu ter o cérebro no volante. 
Chove imenso.
Derrubo um ciclista que só vejo demasiado tarde. 
Fico aflita.
Tenho um ataque de choro em frente à bófia, uma agente super querida que me tenta acalmar.
(penso, ainda vou ter de pagar honorários de psiquiatria!)

Bad bad bad vibe
Choro não sei bem por que razões, 
talvez uma mistura de:
susto, medo 
culpa
vergonha
autorrecriminação
desesperança e autopiedade
raiva por sentir estas duas últimas
alívio porque o miúdo não se magoou

Good good good Vibe
Chego a casa ainda assoberbada pelo acidente
perturbada
Sem arranjar cabelo nenhum...
Cheira a canela.
Encontro o Pedro na cozinha
com uma travessa cheia de rabanadas que preparou sozinho!

E vira de 
"raisparta! quantas horas faltam para este ano acabar?"
para
"extraordinário! espetacular!
quantas coisas boas cabem nas horas que ainda faltam a este ano?"




domingo, 29 de novembro de 2020

Procurar a agulha no palheiro em chamas

 
Vou começar este texto ao contrário.

Pela moral da história:
Usem a m**** da máscara, 
desinfetem as mãos 
e fiquem em casa o mais possível!

Tá difícil de entender? 

Enquanto muitos de nós acham que isto é uma gripezinha

Enquanto muitos de nós lamentam ter que deixar a esplanada à uma da tarde

Enquanto a canalhinha vai almoçar em bando
sem máscara
ao shopping

Enquanto os pais 
nas horas em "que se pode"
vão em hordas aos supermercados com os menores atrás 

Enquanto os negacionistas se manifestam 
fazendo corar as nossas antepassadas que queimaram soutiens
porque a liberdade que elas exigiam rimava com respeito

Enquanto isso...
Os nossos velhos
morrem sozinhos nos hospitais

Os nossos enfermeiros e médicos rodam turnos 
e coragens e forças e horas sem dormir
para nos salvar

Os nossos psicólogos, nutricionistas,
assistentes sociais, todos os técnicos afetos à clínica
foram recrutados para inquéritos epidemiológicos à Covid

o que quer dizer que
deixaram os fundamentais serviços de saúde que prestavam
para estar ao telefone a seguir o rastro a centenas de cadeias de contágio
em teias indeslindáveis de infeção.

Como assim?
Assim:
O Zé, que é bom rapaz, tem 20 anos, é trabalhador estudante, está positivo.

Há que rastrear:

a sua família
os colegas de fábrica
e os 3 a quem generosamente dá boleia para a universidade. Sem máscara!
Todos são jovens e giraços, por isso, têm namorada!
Cada uma das quais vive com pais e irmãos!
Que têm namorada!
Um deles joga futebol.
Partilha bola e balneário com mais 13.
Quase todos estes jogadores têm namorada e mãe e pai e irmãos.
Quatro visitaram as avós idosas no lar...
Cinco fizeram uma festa de aniversário restrita no passado sábado...
Dois juntaram-se na casa de um outro para beber umas bjecas e ver a bola...

Não...
tem...
fim...

São agulhas
em palheiros
a arder...







sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Comprimidinho miraculoso!!!!

 Hoje era dia de teste!

Estavam a sentar-se, a organizar-se,
uns mais ansiosos que outros,
quando o Francisquinho
(chamemos-lhe assim)

"TixÉr! Tu sabes que eu comecei hoje a tomar uns comprimidos...?"

Parei e olhei para ele.

É um miúdo desorganizado, com dificuldades de se concentrar e regular,
enfim, 
um miúdo. 

Penso:
queres ver que foste avaliado? 
queres ver que foste medicado?
Penso: ainda bem... 
(por um lado)
Penso: seria preciso? 
(por outro)


E ele:

"Sabes, eu comecei hoje a tomar um comprimido para a inteligência... vai ser bom para mim; eu vou conseguir ficar mais atento na escola...é assim um comprimido para eu ficar mais inteligente, sabes?"


Digo-lhe que sim, que bom, agora vai lá sentar que quero distribuir o teste

e ele ainda, a caminho do seu lugar:

"o problema é que só dá até às quatro da tarde... mas também depois já não faz falta que já não estou na escola..."

Quase me dá vontade de rir, mas há algo de perverso neste discurso...

O teste passa. O miúdo resolve-o.

Penso - isto é fácil, é iniciação, é o primeiro teste de inglês que estás a fazer na vida, és capaz de sacar um Bom ou Muito Bom...

Dá-me vontade de rir, agora sim, 
porque vais achar que a nota tem a ver com o comprimido!!!!


Que sorte a do farmacêutico, vai fazer negócio à custa da txitxa!



quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Nadas no meio de pandemias

Dias bons são feitos de nadas, no meio de pandemias.

O mundo vai acabar, alguns amigos estão doentes, outros isolados,
 há vacina, não há vacina, 
confina-se, 
desinfeta-se, 
mascara-se e distancia-se

mas

ainda assim

o Pedro teve mais de noventa por cento a matemática

a Maria pratica o twinkle little star na viola d'arco

Cheira a ameijoas com coentros na cozinha

e tudo está certo.

Dias bons são feitos de risos de crianças,
por trás de máscaras com bonequinhos.

"Quantos queres txitxa?" 
(Hoje fiz um fortune teller com eles, lembram-se do quantos queres da nossa infância?)

"Five, my dear!"

Os dedinhos dela, contentes, a expectativa

"Qual colour?"

"Green"

A desembrulhar, ansiosa
A minha Ritinha, dificuldades de aprendizagem nenhumas neste momento
Deficit cognitivo nenhum na gargalhada:
" dibtida txitxa, tu éx dibtida"
Ela aos pulinhos de excitação,
rindo
rindo,
feliz
feliz!

Feliz comigo!

apesar da pandemia lá fora
apesar de eu lhe ter desinfetado as mãos à entrada da sala de aula
apesar de lhas obrigar a lavar para agora ir almoçar

feliz!
Feliz comigo!

A ver-me no corredor, depois,
ainda feliz
a dizer-me
BIGADA txitxa pu fajerex akele xogo connosco!

Dias bons feitos de nadas,
no meio de pandemias!




domingo, 1 de novembro de 2020

O Pior Dia da Minha Vida

 O pior dia da minha vida não foi o dia em que a mãe morreu.

Foi o dia em que tivemos de lhe dizer que tinha um cancro. Eu e a Ana.

Nós as duas, tão desesperadamente sós as duas naquela antessala da enfermaria, sentadas à espera para ir dar uma nova que odiávamos e nos ardia na pele sem expressão. Tão grandinhas que ali estávamos a cumprir a missão.

A Ana a explicar-me ter pedido à médica para estarmos presentes aquando da verbalização da tragédia, para estarmos presentes para enunciarmos a maldita, a pretexto de que a mãe ouvia mal, que se contornasse o protocolo, o dever de informação médico/paciente. Eu a ouvir a Ana e a concordar de aperto na garganta como o dela, de olhos nos dígitos vermelhos do elevador, a porta de metal cinzenta que quase não pára neste piso, a esta hora, os dígitos vermelhos, quadrados, sempre a indicar movimento, as paredes muito imaculadas do branco do hospital novo, a faixa de madeira a meio da parede; a espera longa e dolorosa que não desejo apressar. 

Dou razão à minha mana, a mais nova, a pequena, grande, tão grande em todo este processo! - fizeste bem, vamos ajudar, vamos lá estar, vamos "ao menos" lá estar. Neste "ao menos" toda a nossa impotência, toda a rendição, toda a inutilidade prática do nosso desespero e amor.

A médica, não a vejo na minha memória, ela é só uma voz, só palavras secas, factuais e clínicas, que só ouço a espaços e que sei que a mãe não escuta, mas lê nos lábios e nas expressões faciais descontentes das filhas e da doutora de bata branca, "primeiramente suspeita de pneumonia aguda"

Os olhos da mãe,

 aflitos, 

a procurar os nossos... 

"depois indícios tumorais bilaterais"

Os olhos da mãe,

aflitos,

procuram ouvir...

"carcinoma pulmonar"

Os olhos da mãe gritam respostas aos meus e aos da Ana. Os lábios balbuciam "é cancro, não é?" mas ainda sem som.

Nós explicamos, em voz alta (e isto dói muito, como se a humilhasse; como se ao dizê-lo em voz alta lhe dessemos mais força, como se o validássemos, como se o celebrássemos, como se ao pronunciá-lo tão convictamente lhe déssemos existência, como se, enfim, nos tornássemos cúmplices no crime, culpadas, colaborantes e para sempre auto arguidas)

Mentimos-lhe. Minto-lhe eu (porque nesta altura já não acredito numa recuperação) e digo-lhe que vai fazer tratamentos e ultrapassar tudo aquilo, que vai superar e lutar. Depois digo a verdade - que estamos do lado dela e que a amamos muito.

Quem já frequentou um IPO ou acompanhou um doente terminal saberá que, depois disto, muitos outros momentos dolorosos e feios se seguiram até ao triste momento em que a perdemos. No entanto, este foi para mim o pior dia da minha vida. O dia em que tive de anunciar uma doença mortal à pessoa que me deu vida.




sexta-feira, 23 de outubro de 2020

SAD

Há uma canção cinco estrelas no manual de terceiro ano 

"Hello, hello, hello!
How are you today?"


E os miúdos adoram e rapidamente cantam

"I'm GREAT, I'm FINE, I'm OK
I'm happy, I'm WONDERFUL today!!!"


Ora, daí em diante
eu, todas as aulas
Good morning! HOW ARE YOU TODAY? (Como estás hoje?)

E eles
maioritariamente happy
ocasionalmente sleepy
muitíssimo preguiçosamente OK
...
mas nunca
ou quase nunca
ou nunca antes numa voz tão sumida e escondida atrás da máscara aos bonequinhos
(ironicamente atrás da máscara aos bonequinhos de um super herói...)

I'm SAD!

Tanto que julguei não ter entendido.

A aula avançou; mas o meu coração ficou pendurado naquele SAD (triste)

Cinco minutos antes do intervalo, aproveito o barulho dos lanches e vou ter com ele.
Pergunto baixinho, ajoelhada ao nível dele, por quê sad?

Porque o meu irmão está há muitos dias no hospital e ele tem um saquinho na barriga e está muito doente e eu tenho medo que ele vai ser operado e ainda por cima não o posso ir ver...

Fuck Covid orait?


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Dia do Professor

 Eu sou professora de coração.

Em vinte anos de serviço, muitas vidas me passaram pelas mãos.

A muitos ensinei umas coisas, a outros nada, marquei alguns.

A Soraia é uma das que tatuei. Conheci-a em Mogadouro, no seu décimo ano.

Um furacão. Rebelde. Revoltada. Do contra.

Não desisti dela. 

Não desisto nunca.

E ela voltou a encontrar-me nas redes. Com palavras de tanta gratidão e apreço, que eu nem recordava merecer.  Guardou um recado que lhe deixei depois de uma aula. E guardou na alma um texto que escrevi há anos Sobre ela

Diz que mudou a vida dela e que deve a mim tudo o que hoje é. 


Chat do Facebook (2015)
Fiquem sem palavras, e caiu a lágrima... Nunca ninguém me deu assim um pequeno gesto tão lindo :') Arrependo-me tanto de ter sido mal educada e 'má' com uma pessoa com um coração lindo e a quem agradeço imenso.... Soube tão bem este miminho... Muito obrigado por tudo professora, você tem um coração de ouro... Prometo nunca de si :') ❤

Gosto muito de si, do fundo do coração, obrigada

Quanto a este papelito fiquei admirada por ainda o ter preservado. Ela respondeu:
É claro... Pequenos gestos, fazem grande diferença... Foram palavras que me marcaram! Vou guardar até conseguir, porque cada vez que leio, recordo-me de tudo o que me fez ser quem hoje sou ❤️

Não sou mais do que milhares de colegas que diariamente dão de si para a formação de crianças e jovens.
Não sou extraordinária. Sou PROFESSORA.

Ser professor é isto. Parabéns a todos os colegas que o são de coração.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

nus óios é ki tá a verdádji

 Readers... preparem-se! 

Esta é curta, mas de fazer chorar as pedras da calçada!


A propósito de máscaras, saiu-me, numa turminha:

"Oooooo! que lindo sorriso, querida! Consegui ver o sorriso nos teus olhos!!"""


e o meu Miguel, lá do fundo do recato do sua suave presença no fundo da sala:

"sabíz txitxEr?"

 (ele tem sotaque do Braziu)


"os olhos são ondje a gentxi vê mélhó o qui ais pessoais sentim!!!"""


Eu derreti-me.💓💓💓💓💓💓💓💓


"É verdádji! Nos olhos é qui você lê A pessoa, intendeu?"


Entendeu?

A vida - nas palavras de um brazuquinha de nove anos!

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Celebrar

 Assim.


Sem mais nem menos.

A meio da aula. Interrompendo um exercício.

O meu menino especial (dificuldades cognitivas e de atenção), que até nem estava a usufruir muito da aula por se ter esquecido do material e não poder partilhar o livro devido ao Covid...


"PARABÉÉÉÉÉNS TXITXA!!!"


Parabéns? Porquê lindo? Eu não faço anos!


"PARABÉNS POR ESTARES AQUI A DAR A NOSSA AULA. PODIAS NÃO ESTAR!"

Como? O que queres dizer?


"ISSO TXITXA! PARABÉNS POR SERES A NOSSA TXITXA!"


Oh, meu querido!!! Tens razão! Tenho muita sorte em ser a vossa txitxa!!!

E não é que começaram todos a bater palmas?

Se isto não vale ouro e eu sou muito rica... não sei o que vale!


domingo, 27 de setembro de 2020

Alegria vírica

 A escola arrancou

Os pais suspiraram de alívio

A  atividade económica agradeceu

E o Covid continuou


Eu passo aos miúdos toda a serenidade que não trago cá dentro;

Finjo com os dentes todos que não veem atrás da máscara e literalmente mascaro a apreensão e hipervigilância que borbulha cá dentro: "Não metas isso à boca"; "Desinfetaste as mãos, lindo?"; "Já lavaste as mãos para comer'"

A loucura de ter vinte e tais filhos menores à vez e tentar protegê-los de uma pandemia sem lhes impor outra - o stress, a ansiedade, o pânico.

Confesso que em muitos momentos isto me tem assoberbado e que me sinto exausta se ainda agora começamos...

São tantas as contingências - salas de janela aberta, máscaras a esconder sorrisos, intervalos condicionados, cotoveladas a crianças que nos querem abraçar... que no final da primeira semana dizia "não queria estar a viver a escola assim"

No entanto, as crianças são mágicas. Conquistam-nos, recentram-nos e desmontam-nos. Vivem da forma mais pura e natural. 

E eu adoro ensinar.

Por isso, consegui voltar a ser feliz na sala de aula e, apesar de ter um caso com o álcool gel, quase sinto a normalidade das nossas risadas e partilhas.

OH TXITXA

(diz me uma assim que entro na sala de aula, no último tempo da tarde)

Eu tou muito constipada!!! Já viste o papel que eu gastei só depois do intervalo?

E exibe-me orgulhosamente o saco cheio de vírus, trofeu pessoal a despeito de desinfeções, higienizações ou contágios.

Todos acharam aquilo deliciosamente hilariante menos eu que lhe pedi para ir deitar no lixo e desinfetar bem as mãos no fim.

Ela foi. Preparando-se para dar com o saco na cabeça da colega que ria à gargalhada, não fora eu intervir!!!



 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Back to real life!

Children Clipart photos, royalty-free images, graphics, vectors & videos |  Adobe Stock
.
Ontem, pela primeira vez em três meses, voltei a pisar uma sala de aula com alunos dentro.

Iniciei um curso de verão, super restrito, com uma mini turma e toda a segurança.

Eu até faço um balanço positivo deste ensino à distância - exceptuando o facto de claramente se acentuarem as diferenças sócio-económicas entre os alunos - as aulas online foram o remendo possível para um  ano lectivo que não se quis perdido face à tão extraordinária situação pandémica que se nos colocou.

No entanto, não há NADA, repito, NADA que se compare à presença física:
os sorrisos - mesmo escondidos por trás das máscaras
as gargalhadas espontâneas (que em stream não ouvimos porque os microfones estão desligados)
as respostas felizes
e os erros que nos fazem avançar!

Não vou negar:
como adulta, como prof, como mãe
aquele cenário de uma aula a um mini grupo
também me trouxe um ou outro momento de ansiedade.

Não ali, em concreto, 
mas ao projectar aquilo em Setembro, com grandes grupos e escolas atoladas.

Eu explico.
Quando, inadvertidamente peguei num lápis de uma menina
de súbito tomei consciência de que não devia e fui desinfetá-lo.
Quando marquei momentos de speaking e role playing
(falar e representar)
o instinto das crianças foi levantarem-se e aproximarem-se para interagir.
Claro que não permiti.
...mas... entendem-me?

O ser humano, naturalmente, quer "estar junto"
It's only natural!

Ora, se, neste contexto tão micro
senti tais constrangimentos,
que fará da minha úlcera nervosa 
o próximo ano lectivo
se a situação se mantiver como até agora?

Dúvidas e receios mil,
naturalmente.

Porém, não ali.
No DaVinci tudo seguro, desinfectado, distância de segurança.
Uma casa onde fui sempre tão bem recebida e tão mimada.
Um espaço onde encontrei profissionalismo, competência e humanismo.
Um espaço onde se trabalha com prazer.

E eu sou tão feliz na sala de aula!

Um dos pares, 
num diálogo tipo 
"How are you?"
"Fine, thanks"
e elas:
"How are you?"
"Not very well. I'm a little ill. I have Covid!"
"Achoo!"(espirro= sneezing)

Gargalhada geral.
A rir se espantam os medos!

terça-feira, 12 de maio de 2020

Covid 19

Três mortos e 785 casos confirmados de covid-19 em Portugal

Poderosíssimo e mortal.
Morre, 
ele próprio, 
com água e sabão!

Moral da história: 
todos temos as nossas fragilidades.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Crónicas da Quarentena - Usar máscara

Medical Face Mask Clipart

Uma das coisas que a maturidade me trouxe foi  a capacidade de (disponibilidade interior para tentar) entender o outro. 

Fui crescendo nessa empatia ao som da mágica pergunta de fundo: o que é que ele/ela está a sentir neste exacto momento.

Isso ajuda-me a entender (tentar entender!) as pessoas, a ler as situações e as reacções.

Por exemplo, ontem de manhã fui fazer uma ecografia (que estava marcada para antes do confinamento).
Tudo de máscaras, três utentes numa sala de espera larguinha, primeiro eu sozinha, depois um senhor e outro.
A senhora do balcão, artilhada de luvas, máscara, viseira e alcóol gel à cabeceira respondia rispidamente, de semblante fechado que adivinhei nos olhos e gestos atrapalhados e bruscos. 
Era o primeiro dia de desconfinamento e trabalho presencial. 
Pensei, 
estás aflita. 
Desesperada. 
A situação é nova e estás a adaptar-te (como todos nós)
Ao invés de sentir-me ofendida, zangada ou triste
fui ao velho refrão mental
o que é que ela está a sentir neste exacto momento
e percebi ou pensei ter percebido.

Lembra-me o meu Venceslau.
(soa suficientemente brasileiro, não soa?)
Trabalho com ele há dois anos.
Recebi-o carrancudo, cabeça baixa, recém chegado do lado de lá do atlântico,
com muitos "eins" a contragosto para nos entender e comunicar.
Dizia-me não sem certa rudeza:
"einh? Ah, num intendo não!"

o que é que ele está a sentir neste exacto momento?

Está confuso, desorientado,
numa escola nova,
numa casa diferente,
num país novo,
rodeado de uma língua esquisita.
Está a precisar de que EU tenha calma, 
paciência e verdadeiro acolhimento.

Assim foi.
Com o tempo, fomos abrindo e conquistando.
Descobri que era oriundo de Manaus,
vivia no Amazonas
numa casa inserida numa reserva natural,
florestada e selvagem
e rodeado de animais...

Hoje em dia o Venceslau é outro menino.
Ganhou segurança e sorri.
Mesmo online.

Felizmente consegui ler-lhe para lá da máscara.
Construímos confiança por isso.

De maneiras que dou por mim a pensar
que no desconfinamento
também vai ser assim
e cada vez mais 
pertinentemente
assim.

Vamos ter de aprender a LER para lá da MÁSCARA.

Vamos ter de aprender a ler para lá da máscara cirúrgica.
A ler os sorrisos  e as lágrimas nos olhos;
e todas as nuances nesse espectro:
medo, preocupação, expectativa, euforia, desespero, 
solidão, cansaço, raiva, inveja, sarcasmo e desprezo
decifrar tudo 
num par de esferas mais ou menos cintilantes e expressivas.

Não vai ser fácil.
Vamos ter de aprender a ler para lá das máscaras físicas e metafóricas.
Mais um desafio.







quarta-feira, 29 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - A caixa roxa

4570book | HD |ULTRA | Box Art Clipart Pack #5274Declaração de intenções:
É tácito que quando um narrador começa um texto por
"eu tenho uma amiga que..."
todas a gente assume que aquilo foi uma experiência pessoal 
que a pessoa não quer assumir!
Lamento desiludir-vos, mas não sou mesmo a protagonista desta história!
Tenho mesmo uma amiga que.

Preâmbulo:
Isto já vai looooongo!!!
As crianças são exploradoras por natureza.
Tantos dias de quarentena volvidos, já não há muito mais a explorar nos 90m2 urbanos de duas assoalhadas. Na cozinha a mãe não deixa. No quarto dela ela não está... Ora, bora lá!


Eu tenho uma amiga que
está em teletrabalho
e, no outro dia, estava em reunião.

A filhota, seis anos,
exploradora, comunicativa
(criança!)
Posso brincar no teu quarto?

Ela sussurra para fora da câmara
para a despachar
"sim, sim, vai lá brincar, vai"

A miúda vai e volta à sala.
Posso brincar com a caixa roxa?

Ela, sem a ouvir,
"tá bem, tá bem"

A miúda vai e volta.
Traz algo com plumas
que a mãe vê sem notar
na visão periférica.

A miúda vai e volta.
algo rosa, agora,
que a mãe vê sem notar
na visão periférica
algemas?

A miúda vai.
A mãe,finalmente,
vê, notando

toma consciência
atrapalha-se
já não muito a tempo.

A miúda volta.
Mãe que brinquedo é este?

"A mãe não quer que tu mexas nas coisas dela."
Rubor.
Reunião em stand by no ecrã.

Mas tu disseste 
que eu podia brincar 
com a caixa roxa!


sábado, 25 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - Jumping rope

Com as crianças do terceiro ano, 
estou a abordar o vocabulário das actividades do recreio. (Playground activities)

Online não é mesmo como presencialmente,
mas ainda assim,
tento manter algumas rotinas de que eles gostavam
(e eu também)

e uma delas 
é fazermos expressão corporal para memorizar as palavras.

De maneiras que já me pus aos saltos com eles
de portátil pendurado 
a ver se conseguia filmar os meus pés😆😆😆
para eles perceberem que eu estava playing hopscotch!!!!!
(a saltar à macaca)

Enfim, 
a gente tenta.

Nas aulas fazemos autênticas coreografias!

Aqui é só um cheirinho,
um gostinho...
até porque as aulas virtuais que o agrupamento marcou,
e muito bem, a meu ver,
só têm 30 minutos!

Apertadinho
lá temos conseguido escutar e repetir umas palavras
cantar uma ou outra canção
ler um textito ou outro.
Devagarinho e sem stress.

Outra coisa de que a maioria gosta muito é de desenhar.

Desta vez, então, lembrei-me de pedir que desenhassem o Rocky,
o gato que é a personagem central do nosso manual,
a fazer uma das tais actividades do recreio que aprenderam a dizer em inglês.

Para a minoria que não aprecia dei uma alternativa:
decalquem o Rocky que está no livro
e depois é só desenhar uma bola nos pés!

Isto foi ontem.
Recebi o primeiro trabalho hoje de manhã!
Este que aqui partilho, sem identificação, claro.


Vieram-me as lágrimas aos olhos!
Não pelo esforço do pobre gato a suar as estopinhas jumping rope!

O que me emocionou no desenho do Rocky (se repararem com atenção) foi o  facto de a menina ter escrito aquelas linhas em baixo, o facto de continuar a abrir a lição como fazíamos juntos!

Eu não faço isso na meia hora de aula online,
mas eles querem manter a "normalidade"!💓💓
Percebem?

Não tarda voltamos a sujar as mãos de giz, bunnies!
A txitxa deixa-vos ir ao board abrir a lesson!

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - Bibliotecária (literalmente) de trazer por casa

Royalty-free Photography Clip art - Library Management ...Hoje é o Dia Mundial do Livro.

Como sabido eu sou livrólica, 
leitora compulsiva,
palavrosa, 
boa contadora de histórias 
e apaixonada por literatura infantil.

Por tudo isso 

(e porque acredito no poder das histórias para a aquisição da linguagem, particularmente numa língua estrangeira - mas isso dava uma tese de mestrado, que já escrevi e não é para aqui chamada) 

costumo ler muitos livros na aula ou projectar read alouds do youtube 
(leituras feitas por nativos, que vão folheando o livro e contando a história em frente à câmara).

Hoje celebrei o Dia Mundial do Livro em grande:
(e sinto o coração cheio por isso!)

Criei uma Biblioteca Virtual no Classroom, para os nossos meninos de 3º e 4º anos.
Ou seja, vou por muita gente a ler!
A ler em inglês!
Pretty cool, ah?

Ali não há fichas de leitura, 
nem perguntas de interpretação,
nem avaliação,
nem prazos a cumprir,
nem verificação de tarefas.

É apenas o espaço em que partilhamos leituras
damos sugestões e deixamos a imaginação e a fruição reinar!

Ora isso fez de mim uma bibliotecária virtual
pseudo- bibliotecária
ou bibliotecária de trazer por casa!
De literalmente trazer por casa!

ou a influencer, como agora cai tão bem dizer,
isso,
tornei-me 
a influencer do roupão
a sugerir um livrão!😆

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Crónicas da quarentena - Menos com menos dá mais!

Hoje, esta crónica é sequela desta.

Foram precisos dois,
meus amigos,
dois resultados negativos
na porcaria dos testes
do raio do Covid
para a minha amiga enfermeira
poder finalmente sair do isolamento daquele quarto
e abraçar os filhos.

Menos, com menos - dá mais!


Partilho da alegria dela
imagino a euforia daquelas crianças
e só posso mandar daqui um conselho de amiga:
depois de apertares as crianças
aperta o pai e faz mais uma!


terça-feira, 21 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - #ficaemcasa à Chef!

Bacalhau à Brás#ficaemcasa à Chef!
Ao contrário do que corre nas redes
eu não tenho feito paõdemia,
nem bolos diversos,
nem empratamentos instagramáveis.

Mantenho a minha linha
nutritivo-tradicionalo-saudável-que-os-putos-mastiguem.

É grelhar uns bifes de perú,
é assar uns peixes no forno,
é sopas às litradas,
é saladas diversas e frutas em todas as refeições.

Aqui não há cá bavaroises
nem receitas com  nomes pomposos.
Sobremesa é fruta
leite creme à antiga se eu estiver para aí virada
ou um bolinho caseiro
quando o rei faz anos.

Toda a malta adora salsichas e ovos estrelados,
pizas, lazanhas e hamburgueres
mas a mãe tem que estar extraordinariamente bem disposta.

Aqui há uns dias fiz bacalhau à Brás.
(também é raríssimo porque me fazem confusão as batatas fritas)
Os meus filhos não adoraram, mas aquilo mexeu tanto comigo!
Eu já não comia isso há anos
e redescobri que adoro
e que é um sabor da infância.
A minha mãe não usava cá batata palha,
 fazia tudo às certas
e também não era muito frequente,
mas como eu era lingrinhas e enfastiada
e aquilo até comia com agrado,
ela, de vez em quando,
dava-se ao trabalho.

Desta vez, soube-me a isso.
Ao carinho e trabalho a que ela se dava
para a Xaninha comer.
(A Xaninha sou eu, mais ninguém me chama assim.)

Bacalhau à Brás soube-me a saudade
e não há post nenhum
em rede alguma
que reproduza esse sabor.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - Esforço extraordinário

Aqui e ali
em apontamentos jornalísticos
crónicas
e testemunhos

vai-se dando conta ao público comum

dos esforços que os professores têm feito
para acompanhar esta reviravolta
e dar resposta, da melhor forma possível,
às necessidades deste novo desafio,
que é, sem fase intermédia,
sem preparação prévia
(passando o pleonasmo)
sem rede,
sem fase de adaptação e testagem
o gigantesco salto para um ensino à distância.

O ensino é virtual,
o esforço é, de facto, real.

Claro que, como na vida real - barra física, presencial
há profissionais e profissionais;
há os bons, os excelentes, os baldas, os medíocres e os assim assim.

Aqui em casa, por exemplo, tenho:

um filho (7ºano) atolado de aulas síncronas,
a cumprir (penar?) um horário quase em absoluto semelhante ao original,
ou seja, de rabinho sentado em frente ao computador das nove da manhã à uma da tarde;
plus telescola, plus trabalho autónomo, plus trabalhos de casa, plus estudar

e uma filha (4ºano) abandonada ao sabor do vento
que lhe corre de feição
em pinturas e construções sem fim de edifícios em lego,
uma vez que a colega se evaporou na rede,
quer dizer,
tornou-se tão virtual
que não dá nenhuma indicação real.
É que "como alguns alunos não têm computador..."

E depois há os exemplos dos professores extraordinários,
que, como todos sabemos, não se medem ao quilo de fichas e fichinhas,
nem com a régua do domínio das tecnologias,
nem com a bitola das grelhas, gráficos e burocracias todas aparadinhas e formatadas ao milímetro.

Os professores extraordinários
e eu conheço tantos!
trabalham fora de horas
escutam com os ouvidos e o coração
põem-se no lugar dos miúdos
estão sempre disponíveis para eles
sentiram-lhes e sentem-lhes a falta
dedicam-se muito para lá do seu dever profissional.

Felizmente, porque isso me faz brilhar os olhos
porque isso é das coisas que esta maldita pandemia nos trouxe,
(o reconhecermos nos outros a nossa completude)
felizmente estou rodeada de muitos.
Inspiram-me
e fazem-me renovar a fé na humanidade.

Alguém que arregaçou as mangas e desencantou um computador para uma aluna que o não tinha.
E não de uma forma simples e imediata, tipo, tenho cá este a mais em casa, está velho, vou dispensar.
Não. Seria válido, na mesma, o gesto altruísta. 
Mas deu mais voltas.
Contactou uma empresa, explicou o caso, percebeu que um apoio institucional poderia, eventualmente, acontecer, mas pecaria, certamente, por tardio. Por conseguinte, agiu.  E arranjou ajudas e soluções, onde outros só veriam entraves. Resolveu. 
Este, a meu ver, é dos extraordinários e merece a minha homenagem.

Bem hajas!




domingo, 19 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - Negativo

f1f695d29bb733acec04a3030303f765.jpg (400×400)
Conheço alguém
que conhece alguém
que conhece alguém...

cuja luta me atemoriza
cuja força me inspira
cuja resiliência me estimula

gente grande
bonita

por quem rezo
e torço
e torço
e torço
uma vela a deus
outra ao diabo
fingers crossed
a fazer figas
invoco anjos de luz
e fadas
e arco-íris
e unicórnios
e todas as forças do Bem.
Porque elas são guerreiras
e merecem vencer.

Neste caos pandémico
fartos de estar em casa,
queixamo-nos.
Queremos ir tomar café.
Voltar ao ginásio.
Apanhar sol.
Ir ao cabeleireiro.
A insaciedade é humana.
Faz parte da nossa natureza.

No entanto, nesta fase,
já todos tivemos oportunidade de parar e pensar no essencial.
A sobrevivência e o amor - a vida.


Sobreviver
Algures, a agonizar os tratamentos agressivos,
prostrada e enjoada e enfraquecida
uma amiga-luz mantém o sorriso de sempre
envia a todos mensagens de renovação e esperança
e diz que quer vencer o cancro
e ganhar a vida.
Vai vencer.

Amor
Noutro algures, fechada num dos quartos da casa,
uma amiga enfermeira que contraiu Covid,
recolhe as refeições que o marido lhe deixa à porta
e sente as rotinas da família
do lado de lá da impotência
do desespero e da saudade.
O cheiro das refeições, dos banhos da pequena,
o clicar do comando da playstation,
as vozes de quem ama
e não pode abraçar.
Aguarda um telefonema de um colega
sobre o resultado de um teste
que há-de dar
negativo.



sábado, 18 de abril de 2020

Crónicas da Quarentena - Aulas Virtuais



4c61cc1b846aa14208a12650b3948c9e.jpg (400×372)
Ó sincronia de pijamas, bigodes de leite branco e cabelos crescidos!

Ó emojis de coraçõezinhos nos olhos de saudades da txitxa!

Ó glória digital de conseguir calar vinte e cinco alunos de uma só vez!Clique! Desligar microfone a todos! Já está! Fácil! 

Ó estantes com peluches e puzzles; salas com louceiros e cristais; cozinhas com panos da loiça gastos e mães a passar a ferro no enquadramento!

Ó literacia digital, que o papagaio da turma, a quem desativei o micro, não tem a mesma velocidade a teclar como tinha com a língua e mal participa no chat (embora, ironia das ironias, chat queira dizer conversar!!!!)

Ó santo timing do acusa cristo, #somethingsneverchange, teacher preciso ligar o mi-cró-fÓ-ne para dizer uma coisa importante: O Gaudêncio está a comer bolachas na aula, não se pode, pois não?
Thank You Júlio Cláudio por tão oportuna intervenção no nosso já de si tão longo tempo de meia horinha de aula!


Ó divina supervisão parental no desenquadramento da câmara, que os faz portarem-se como os anjinhos responsáveis, empenhados e adequadamente participativos que sempre foram na sala de aula!

Ó maravilha das maravilhas de poder ir recolher o estendal da chuva entre uma aula e outra!

Ó Santinha da Web lenta que me mostras alguns miúdos em slow e com desfasamento entre a fala e os movimentos da boca, como se fosse uma má dobragem brasileira numa novela mexicana dos anos setenta ou como se eles tivessem fumado umas coisinhas antes do streaming (directo) - o que, se calhar até aconteceu, os pais andam desesperados, na volta deram-lhes a milagrosa pastilhinha, sem julgamentos, estou convosco, parents, I'm with you!

Hossana computadores, que já ninguém diz txitxa mei ai gou tu da toilét pliz!

Avé intervenção parental, às vezes esquecem-se que  estou a dar aula aos filhos e respondem na vez deles; é engraçado, faz-me rir, no outro dia até disse: Way to go, father! Isso mesmo! That's correct!
Eu compreendo: as minhas aulas são tão motivantes, que se entusiasmam e querem participar. Diverte-me a ideia de que estejam em casa a curtir com os filhos. Finalmente vão perceber porque é que os miúdos adoram inglês e como têm a melhor teacher do mundo!😅😅😉