Há umas semanas que não escrevo e, hoje, tu atiras-me para o papel. Revoltada comigo própria porque o que te vou dizer aqui e agora já devia ter sido dito, em vida, e não agora que cá não estás para gargalhar e lacrimejar com o texto em tua honra. Mas, enfim, somos egoístas e escrever afaga-me a alma e apetece-me falar-te e já não é possível. (não acredito que já não é possível)
Em tua memória abrimos uma garrafa de vinho tinto. Eu e o Reno. Ao almoço. Não é que a gente precisasse de desculpa, mas era o que faríamos se nos tivesses vindo visitar e hoje a presença da tua ausência brusca e dura encheu de silêncio a nossa refeição, a nossa voz, os nossos corações.
Gostávamos de ti, Jonny. Dizíamos-to muitas vezes, com as letras todas e tu respondias de volta, "gosto muito de você, viu? te cuida, garota! E dá um abraço no maridão que eu também gosto muito dele"
porque eras um homem de afectos
e depois desconversavas e dizias
"chega de lamechice, tamos ficando velhos cÁralho!"
Eu e tu era uma borga. Piadas inapropriadas, brindadas com olhares de soslaio, reprovadores e certeiros, e nós na nossa loucura de outsiders, um pouco de forasteiros excêntricos e desabridos, a gargalhar até às lágrimas, até à urina, indiferentes à imagem social. Saudade, Jonny.
Tu, que amavas a minha família,
pegavas no meu Pedro ao colo para o deixar na Cáritas, a caminho de Vinhais;
que trocavas dicas de gastronomia com o Reno, de bom cozinheiro para bom cozinheiro;
que lias e curtias todos os meus textos, mesmo os mais longos e secantes;
que rezaste pelo meu marido no período crítico; (ou macumbaste ou chamaste os teus anjos, pés de santo; arixás; fontes de luz fosse o que fosse da tua pesada espiritualidade e vontade de ajudar e dar esperança ao próximo)
tu, que nunca deixaste de me telefonar ("eu te quero muito bem, você sabe, né?") mesmo quando foste procurar ser feliz para mais longe;
Tu, que saltavas em defesa dos alunos,
pela justiça e humanismo,
que eras um professor com P muito grande,
dedicado, competente, exímio nas matérias,
extraordinário na relação com os miúdos,
quantos defendemos juntos em Conselho de Turma!
Tu, que querias endireitar o mundo,
eras perfeccionista e zeloso,
tinhas a casa num brinco,
penduravas a roupa com as molas agrupadas por cores
e alinhavas sempre o cinzeiro para o mesmo lado
na esquadria do quadro da parede.
Tu, que lias o Pessoa como a bíblia,
o teu Álvaro de Campos,
o meu Caeiro,
tu que partilhavas poesia comigo
e piadas porcas
e disparates só nossos
e sarcasmos políticos e anti-institucionais.
Tu, que me desabafavas desamores,
um homem tão extremamente apaixonado e romântico
quanto desapontado e traído.
Tu, que me desabafavas uma escola que te engolia
oprimia e tentava amordaçar o teu espírito livre e criativo.
Tanta, tanta falta me farás, João.
Vou procurar-te, recordar-te, buscar-te
na nossa Balada do Louco do Ney,
no fundo de um copo de maduro,
na mitologia grega, que desfiavas ao pormenor,
num cigarro ao luar,
e num cantinho que há-de ser sempre teu e que agora arde no meu coração, amigo.
Tu, que amavas a natureza e a vida.
Biólogo de coração.
E partes?
Putaquipariu Jonny