terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Ler nas entrelinhas (ou uma espécie de tradução das sínteses descritivas dos alunos)

Resultado de imagem para teacher evaluating, clipartOnde a gente escreve ... deve ler-se...

1) Revelou algumas dificuldades...
Não pesca nada. 
Népia. 
Zerinho. 
Está a Leste. 
Não vê boi!

2) Deve participar mais
Não faz a ponta de um...não faz um chavo.
Ou é extremamente tímido e não abre a boca (caso raro, hipoteticamente possível) 
ou está sempre na lua ou com as órbitas na Joaninha da camisola da Minnie!

3) É extremamente participativo
Fala pelos cotovelos. 
Não tem travão. 
É o verdadeiro papagaio. 
Fecha a matraca criatura!
 
4)  Não é pontual
Querido paizinho, levante a bundinha mais cedo da cama porque a vida custa a todos e a criança não tem culpa de chegar atrasada - a criança é simplesmente transportada por um adulto e avaliada por outro sem ter tido parte no processo de que é acusada!

5) Deve reforçar a sua atenção.
 é o bicho carpinteiro, uma pulga saltitante, não consegue estar quieto, nem calado, sabe deus como é que aprende seja o que for!

6) Demonstra vontade em participar.
Não dá uma para a caixa.
É tudo à trave.
Ergue o braço, num salto, todo o corpo se projecta no ar atrás daquele braço solícito, a arfar, ganindo, guinchando como se se estivesse a afogar, às vezes chega a implorar "eeu, eu, eeeeeeuuuuuu" (num crescendo, não se pode!)...
mas se lhe damos voz... NÃO. SAI. NA-DA. NADA!  "esqueci-me" ou "esta não sei"

7) Deve melhorar a organização
Das duas... ambas:
ou tem letra de assassino, gatafunhos arremessados para folhas amarrotadas e livros com cantos roídos e já sem capas,
ou é o rei da amnésia, nunca sabe onde tem as coisas, vai ao cacifo procurar o material, mas aquele poço sem fundo que é o seu cacifo engole e deglute o livro de inglês todas as aulas ou então foi a mãe, a malvada, que não o meteu na pasta
(sim, porque a mim ninguém me tira que a mãe daquele anda a divertir-se com o Rocky(manual da Porto editora) às escondidas)
ou a carteira dele parece a feira da ladra ou a Zara em dias de saldos, que é a mesma coisa. Aquilo é um micro-clima; por cima da carteira dele existe uma daquelas nuvenzinhas negras das bandas desenhadas, que só aparecem por cima da cabeça daquela personagem e fazem chover exactamente aí. Pois aqui é parecido. A carteira deste é um micro-clima, dizia eu, onde passam diariamente furacões e viram tudo do avesso e ele fica ali, submerso e inerte, à espera de salvamento e vai daí vem a professora de inglês e, em vez de lhe atirar uma bóia de socorro, pede-lhe que descubra o Picture Dictionary no meio dos escombros, um livrinho de duas polegadas e sem chip... que nem com um GPS de última geração dava para detectar neste entulho...

8) Revela dificuldades em cumprir regras
 É um fedelho
 mal educado
e
mimado, que não está habituado a ouvir um não.
É ditador em sua casa e custa-lhe a perceber o funcionamento da escola.
Às vezes bate com o pé ou empurra a mesa ou espuma de raiva, mas perceberá que, na sala de aula, há que baixar a bolinha porque não fazemos o que nos dá na telha ou na veneta.
  

9)  Demonstra falta de hábitos e métodos de trabalho
Mais uma vez (vide número 2)...
Não mexe uma palha.
Não faz cheta.
A ponta de um chavo.
Coisa nenhuma.
Ou porque chove, ou porque faz sol.
Nada.


10) Revela uma atitude desadequada à sala de aula
É destrambelhado de todo. Pirulas.
Não bate bem.
Pára-lhe o relógio.
Rasteja por debaixo das carteiras, pendura lápis nas orelhas, come borracha, fala sozinho, canta como um pavarotti a meio da leitura, faz trapézio na cadeira ou usa a carteira como prancha de bodyboard...o céu é o limite!

11) Pode melhorar...
So help us God!!






segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Boardgames

Resultado de imagem para dados e peças      Após tantas fichas de avaliação, provas orais e trabalhos, nas últimas aulas do período, para além das tradicionais canções de natal, lembrei-me de experimentar uns jogos de tabuleiro com os miúdos.      
Primeira constatação a registar: na era digital, há crianças que nunca viram um jogo de tabuleiro, desconhecem que tem um ponto de partida e de chegada e toda a dinâmica de lançar o dado e contar casinhas. Portanto, primeiro entrave - explicar do que aquilo se trata, quais as casas especiais e demais regras do jogo.
Segunda constatação: os miúdos ADORAM jogar! Não se fartam daquilo, mesmo tendo que repetir palavras vinte vezes, ou responder a perguntas em inglês... "só mais uma vez, teacher"
Terceira: Há pessoas MESMO competitivas... desde muito cedo!E não só há pessoas pequeninas que são competitivas, como também há pessoas  pequeninas que JÁ fazem batota!!!!! 
Quarta e última: O DADO, aquele objecto minúsculo e inofensivo, nas mãos de uma criança é uma arma de arremesso e, lembra-te Marta, pode cegar alguém! Para além disso, aquele tinir dos dados carteiras abaixo e pelo chão fora é um verdadeiro instrumento de tortura chinesa!
Claro que tive de inventar uma regra nova: se o dado cair ao chão, a pessoa que o lançou com força desmedida perde a vez! 
É justo e evita que a minha sala de aula passe de um espaço sossegado com jogos de tabuleiro a uma cena do star wars no espaço sideral, com meteoritos (cubos) a voar e alienígenas (putos) a deslizar pelo chão fora em busca dos dados perdidos. 
Assim é só tolerar o irritante tilintar dos dadinhos nas carteiras. Para a próxima invento uma regra para que role só em cima do papel!!!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O Canto do Cisne da Cornucópia


Resultado de imagem para teatro da cornucópia      No ano em que celebra o seu quadragésimo aniversário, a  mítica companhia de teatro da Cornucópia encerra as suas portas. Triste, não acham?
      Em entrevista à Antena 1 ouvi Luís Miguel Sintra lamentar um país onde sucessivos governos entendem a Arte como algo subsidiário, sem perceberem que "é tão importante como a educação ou a saúde".
  O director queixava-se ainda da insustentabilidade devido à falta de financiamento de um ministério que encara o teatro com fins meramente comerciais, que tem de dar lucro, sem entender que ao fazê-lo, a arte perderia a sua essência, o seu "papel de vanguarda".
      Palavras do fundador da companhia, que opera desde 1973, inicialmente com um reportório obviamente condicionado pela censura fascista e, posteriormente, desbravando caminho no sentido de "construir um teatro de reflexão com uma função activa na realidade cultural portuguesa".
      O último espectáculo será esta tarde, um recital de Apollinaire, o percursor dos movimentos de vanguarda como o cubismo, o criador da palavra surrealismo; um transgressor do cânone literário, uma voz divergente e original. Um símbolo chave para o que representa a Cornucópia.
       Portanto, hoje, com uma última actuação de entrada livre, às 16h no Bairro Alto, não apenas o teatro, mas, em meu entender, também a liberdade e a democracia silenciarão mais uma das suas vozes. 



Los caligramas de Guillaume Apollinaire

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Brilho nos olhos

   
Resultado de imagem para sad eyes kid Nas escolas já se transpira natal, há muito. Parece-me que nas escolinhas primárias, como gosto de lhes chamar, se vive muito mais intensamente do que nas secundárias por onde tenho vivido nos últimos anos. Claro! Na infância é que o Natal é mágico!
      As paredes estão carregadas de desenhos, pinturas e postais decorados pelos alunos! Nos tectos há estrelas de papel penduradas. Em cada canto há pinheirinhos dos mais diversos materiais ... e presépios! Lindos! Com musgo e tudo! Muitas mensagens de fraternidade e nascimento; purpurinas; fitas, bolas, sininhos, homens de neve, pais natais e renas.
      As escolas estão completamente artilhadas de natal até ao telhado. Porém, onde verdadeiramente sinto o espírito a vibrar é nas ansiedades dos miúdos - pulguinhas saltitantes na expectativa de férias, rabanadas, famílias e presentes. Sente-se a euforia como um rastilho contagiante...

Também aqui as energias que sinto vibrar são muito diferentes de criança para criança.        Expectativa, em todos.
Brilho nos olhos também, mas por razões muito diferentes.

E hoje essa penosa diferença detonou-me.
Como dizer-vos que hoje pesou tanto em mim o brilho de alguns olhos... vim para casa a sentir-me pesada, pesada, como se tivesse sido atropelada por um camião, arrastada nos rodopios de um furacão ou obrigada a cargas pesadas montanha acima.
Olho para eles, conheço-lhes as histórias e doem-me.
Porque, para alguns, Natal significa 

 a esperança de ser buscado numa instituição; 
a esperança que o juiz autorize a saída; 
a esperança de uma precária para o pai; 
a esperança de que a mãe apareça na instituição após dois anos de ausência...
a incerteza de poder ir a casa;
a incerteza de ser desejado em casa;
o medo da certeza de não ser mesmo desejado em casa, nem que o juiz assim determine...

não. tem. fim.
Esta dor. Este pesar.
Este sorriso triste com que alguns meninos me desejam Bom Natal.
O brilho nos olhos que não se ilumina com papéis de embrulho ou fitas prateadas e laçarotes vermelhos.
Falam pouco em presentes e muito nos ausentes.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Suspiros!

 Como é que a gente aguenta dias em que:

1) Nos recebem literalmente em braços, quando mais precisamos, o raio dos garotos, parece que adivinham... um gajo a chegar, de trombas, com vontade de os pôr em off, de lhes desligar as fichas ou pelo menos de reduzir o volume (se houvesse comandos!), de trombas, sem vontade, há dias assim...
E uma, num abraço, a ronronar como uma gatinha (ooooooohhhhh!) e eu, ainda pouco confortável com estes avanços de intimidade, "Que foi?" e ela a sussurrar algo à altura do meu umbigo. Com  a algazarra que entretanto se gerou não consigo ouvi-la. No entanto, continua a apertar-me com força, por cima do kispo, por cima da mochila a tiracolo, por cima das fotocópias que trago na mão...
"Que disseste?" (baixo-me para escutar)
E ela, baixinho, um miado, mel derretido: "Adoooooro-te!"


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2) Se sentam todos no chão, a teu pedido, para escutar uma história. E nem isso é pacífico:
"Perninhas à Chinês!" (meu Deus, há quantos anos eu não dizia isto, eu nem sabia que ainda sabia dizer isto!) ou então "abracem os joelhos de encontro ao peito, se preferirem".
(lembro-me que não é bom que se sentem na posição de W, uma perna para cada lado, forçando as articulações dos joelhos, corrijo alguns e penso, Céus, como é que estas coisas me ocorrem? Há catorze anos que trabalho com pernas compridas, sentadas em cadeiras...)
Tudo pronto, vou lendo. Gosto de ler. Gostam de ouvir. É uma história engraçada, das que prefiro. "Father Christmas needs a wee!", qualquer coisa como O Pai Natal precisa de ir fazer xixi. Ao longo das páginas, fabulosamente ilustradas (como todas as que escolho) vamos percebendo a razão pela qual está tão aflito- é que, em cada casa onde entra lhe oferecem bebidas. Cada vez mais bebidas. (É um counting book de 1 a 10)
Subitamente, numa pausa, ao virar de página, irrompe do silêncio, que, por azar se conjugou naquele instante, um enorme "puzete" incontornavelmente audível e embaraçoso!
Risota geral. À excepção da minha vítima, que não sabe onde se há-de meter e leva as mãos à boca com a vergonha! ("joelhos ao peito", Marta? Tu nem as pensas!!!)
Remato atabalhoadamente com um "não há ninguém nesta sala que nunca, portanto, prossigamos!"

Como é que a gente aguenta dias-carrosel-de-emoções, catraios que, numa mesma aula, nos levam às lágrimas, à gargalhada e aos nervos em franja?


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Aproximadamente seis homens!


Aqui há uns dias estava a ouvir a M80.
(sim, eu assumo a cotice!!! Mas a cota que eu sou é o que ouve no carro)

De repente, é suspensa a emissão por uns bons segundos.
E eu penso, raios parta o chaço velho já nem "apanha" a rádio em condições!







Todavia, desta vez, a culpa não era do meu velho bólide!!!




Eis senão quando, a locutora retoma o programa e pede desculpa pela falha técnica, explicando, entre risinhos nervosos que "os nossos ouvintes nem imaginam a balbúrdia que vai aqui neste estúdio..."
Antes que eu pudesse apimentar, na minha imaginação prodigiosa, os motivos que teriam levado à falência técnica, uma voz masculina auxilia-a, a esclarecer:
"É verdade, caros ouvintes, estão aqui a pendurar uma faixa e a há muitos escadotes e homens à nossa volta..."
E ela:
"Sim, a trabalhar, em pleno estúdio, quantos são?...dois... três...... mais aquele ali... seis... aproximadamente seis homens e, caros ouvintes, perdoem-nos, estas coisas acontecem..."

Aproximadamente seis homens????????












Honestamente, fiquei a matutar naquilo.
E, sem querer ofender ninguém, gostaria mesmo de saber qual dos homens era apenas aproximadamente um homem e, já agora, que parte lhe faltava para sê-lo por completo...
Do que se retira que as locutoras de rádio são mulheres muito exigentes e também com muito poder de observação.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A minha carta ao Pai Natal ***

Meu querido Pai Natal:
Não sei se ainda venho a tempo, mas como sabes sou mãe e, portanto, sou sempre a última das minhas prioridades. Eu não sei muito bem se acredito em ti ou não, mas, pelo sim, pelo não, tenho uns desejos para expressar. Se tu fosses menos pançudo e barbudo e mais parecido com aqueles senhores musculados dos calendários solidários, eu não teria perdido a oportunidade de me sentar ao teu colo a pedir um desejo, mas como és velhote e moras tão longe, basta-te assim. Presta bem atenção porque a maioria dos pedidos são semelhantes aos do ano anterior e não foram atendidos. Desconfio que estás a ficar surdo ou senil, naturalmente, será da idade. Ou então eu portei-me mesmo mal e não mereci nada daquilo. Vou tentar a minha sorte outra vez. Tenho sido uma boa mãe: alimentei-os, lavei-os, vesti-os, mimei-os e berrei-lhes o ano todo.
 
1) Recauchutagem
Ora bem, assim para começar podia ser braços de ferro para os transportar quando adormecem no carro; uma actualização do cérebro com extra créditos de paciência e, já agora, a devolução das maminhas e da cinturinha pré-parto, faxavor!

2) Gadjets
Era assim um automóvel com aspiração central que detectasse as migalhas automaticamente; era uma televisão que tivesse algum canal para além do Panda, do Disneychannel, do Nickleodeon ou do CartoonNetwork e uns phones ultrapotentes para eu conseguir falar ao telefone. Ainda queria um placard em neóns berrantes onde eu pudesse programar as instruções mais frequentes, de preferência com suporte audio, do estilo: "Vão lavar os dentes!"; "Venham para a mesa!" ou "Lavem as mãos!" , entre outras. Isto podia vir acompanhado de um sistema de semáforos para a casa de banho e também um daqueles ecrãs numéricos, como no talho, para organizar os pedidos de auxílio aos pais! 

3) Bagatelas
Estava mesmo a precisar de um filho que não comesse com as mãos; uma filha que respondesse sempre "sim, mamã" (pensando bem até pode mesmo ser uma boneca, só para reforçar a minha auto-estima). Também dava jeito dois irmãos que não se pegassem e com sistema de autolimpeza incorporado, como aqueles fornos automáticos que se limpam sozinhos.

4) Luxos
Se, eventualmente, estes produtos já estiverem esgotados contento-me com cinco minutos de absoluto silêncio (nada de muito grave, mas tipo uma mudez temporária ou uma afonia ligeira) ou tempo suficiente para conseguir lavar a cara e pentear-me na mesma manhã ou para não ter de fazer uma sopa em três actos!!

5) Milagres
Como estamos na época deles, também posso pedir os meus: se não fosse pedir muito era uma lei que proibisse os trabalhos de casa; era convenceres os meus filhos a colaborar nas tarefas domésticas voluntariamente e, se não fosse muita maçada, dares também a volta ao miolo do pai para não lhes dar guloseimas às escondidas!



*** Este texto foi publicado em Dezembro de 2015 no meu  blog maospequeninascoraçõesgrandes. O conteúdo adequa-se mais ao Marta à vista

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Fsssssssssssssssssssttttttttttttttttttt!

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Eu, na pista de gelo, com os alunos! Quase isto!!!!

Nove da manhã em ponto. Amontoam-se em frente à porta, artilhados com mochilas gigantescas (penso - vamos acampar e ninguém me avisou?), kispos no chão, pinotes desalinhados.
Tento atravessá-los para chegar à porta. Aos gritos, muitos decibéis acima do que eu desejaria:
"Professooooo-raaaaaa!"
"Diz! Estou aqui ao teu lado, não é preciso berrar!" 
"Vai connosco à Pista de Gelo?"
"Sim, é hoje, não é?"
"Eeeeeeeeehhhhh", mais decibéis, desta vez em coro.

Finalmente consigo entrar na sala de aula. Abraço furtado de uma piolha, agarra-se-me à cintura, por cima da pasta que trago a tiracolo.
"Teacher! You is my favourite teacher
(eu a pensar se lhe havia de retribuir o abraço ou corrigir a pessoa gramatical!) Sorrio.

Desta vez triunfo. Ainda consigo escrever o sumário e fazer uma revisão rápida para o teste, que foi adiado por causa da saída de hoje.

Alegria, euforia, algum receio. Patins calçados, brilhos nos olhos, capacetes na cabeça, nervoso miudinho. Alguns tombos, muitas gargalhadas. Convenço um resistente, entro para a pista e patino com eles.
Dia bom!




terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Mea culpa ou de como os adultos também erram ou andam indesculpavelmente distraídos


Boy sitting at his desk playing with a p : Foto de stock



"Não podes conversar! Se não estiveres sossegado a resolver o teste, anulo-to" 

Numa fracção de segundo penso, linguagem hiper desajustada, Marta, eles chamam-lhe ficha (ficha de avaliação) e provavelmente não sabem o que é anular, muito menos "anular um teste"; isso NUNCA deve ter acontecido na sua breve vida escolar. Raisparta que nem em português sei falar com os catraios!
 Explico-me, emendo-me:

"Entendes o que estou a dizer? No dia de ficha têm de estar caladinhos, sem perturbar os outros, de outra forma a professora diz que não valeu e dá-te um zero..." (achei que figurativamente o número redondo ia fazê-lo perceber-me melhor). 

"Depois lá vem o papá à escola para saber o que se passou e vou ter de lhe contar que não respeitaste as regras..."

Ele balbucia numa voz sumida "Eu não tenho pai" e eu percebo que quem devia ter estado calada era eu.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Tecnologia de Ponta

      Vem aí o natal e a televisão grita os últimos gadgets tecnológicos que não podemos deixar de ter. 
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      Eu, que não distingo um iphone de um ipad e, por isso, chamo a tudo... telefone... fico perdida no meio do barulho progressista que não consigo acompanhar.
    Não é que eu seja daquelas absolutas analfabetas digitais, afinal até uso um email, guardo docs em clouds, tenho conta nalgumas redes sociais e escrevo em dois blogues. Contudo, eu tenho aquele problema com máquinas (ler  aqui)! O problema de andar sempre em estado de choque e dar conta de tudo que é electrodoméstico, ou máquinas em geral. Carros e telefones incluídos. Entre outros.
      No outro dia, carreguei várias vezes no comando do quadro interactivo e aquela porcaria não ligava. Os miúdos garantiam que com a professora chamemos-lhe Guidinha estava a funcionar. No meu interior ainda assomou a dúvida, será que? O certo é que, no final da aula, pedi à auxiliar que mudasse as pilhas do comando. No dia seguinte- "não foi preciso mudar nada, senhora professora, está a funcionar na perfeição". Não me surpreendeu. 
      De maneiras que, aliadas a minha ignorância de aparelhos, com a minha alta tensão para lidar com eles...bem pode a televisão berrar que este ou aquele... telefone... é o Rembrant das comunicações, que a mim... passa-me ao lado.
      A verdade é que o meu ...telefone... caiu e estilhaçou o ecrã. Na altura hesitei entre considerar aquilo uma praga da Nókia,  uma mensagem divina de que devia abandonar por completo as telecomunicações ou atribuir-lhe uma qualquer mística simbólica (andarei a negligenciar a comunicação com alguém?) 
     O facto é que tinha comprado o... telefone... em Agosto e não me apetecia nada ter de naufragar pelas prateleiras das lojas da especialidade atrás de um aparelho que me sirva para o que quero, sem ter de ser amavelmente bombardeada pelas sofisticações que não entendo e que os funcionários ultra disponíveis insistem em realçar. (ultra disponíveis, os funcionários, na-proporção-da-comissão-que-eventualmente-ganham-ao-impingir-me-o-último-grito)
      É que, de uma vez por todas, a ver se a gente se entende: tecnologia de ponta, para mim, foi daquela vez que a minha máquina de lavar loiça avariou com um mau contacto no botão On/Off e eu resolvi o problema entalando-lhe lá um palito a fixá-lo. Ou melhor, a ponta de um palito. A meu ver, o expoente máximo da tecnologia de ponta.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Hamlet Talvez, a partir de William Shakespeare


 

Ontem à noite fui ao teatro sozinha, como par habitude. 
Ainda desafiei uma amiga, mas acabou por não se concretizar e não me demovi de ir ver a peça. Há anos que assim faço. Era assim com vinte anos, no Theatro Circo. Assim é com quarenta, no Teatro Municipal de Bragança. O mesmo acontece com saraus literários. Era eu com dezassete anos, na Feira do Livro em Braga. Sou em com os supramencionados quarenta nas recepções de escritores aqui no interior. Não é incomum estas coisas terem públicos escassos, penso que para a maioria estas eventos são mesmo chatos. Eu gosto. E vou, quando posso. E gosto de ir sozinha. Concentrada apenas naquilo ao que vou. Sempre me distraio um pouco no foyer a ver as plumas das madames, daquelas que vão mais para ser vistas do que para ver (alfinetada queirosiana não premeditada!). Mas depois, na sala, sou só eu e o espectáculo. Absorvo tudo. Entro noutra dimensão.

Serve este post para louvar a peça a que assisti, mas também o cartaz do Teatro Municipal de Bragança. (TMB)
Ao contrário do que o provincianismo das gentes dos grandes centros cosmopolitas possa pensar, a província tem acesso e, por vezes, chega a ser foco de emanações culturais de qualidade. Ocorre-me, por exemplo, o Fundão, cujo município apostou fortemente na cultura como um dos principais pilares de evolução do concelho. 
Para começar,o edifício do TMB, que aliás vi crescer, é lindíssimo. Depois, a programação é variada e de qualidade, a preços muito razoáveis. Um privilégio.
A peça, ontem, era a doer. Ou fez-me doer qualquer coisa cá dentro, até às lágrimas. Belíssimo texto. Extraordinária interpretação. Um momento magnífico. 
Era só isso. Parabéns à Companhia JGM por dar vida de forma tão intensa e este texto sublime que conheço já dos tempos da faculdade. Parabéns ao TMB pela escolha.



 
A Companhia JGM (João Garcia Miguel) é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal – Secretaria de Estado da Cultura / Direcção-Geral das Artes



 “Abordámos Hamlet como um texto religioso testemunho de lugares estrangeiros. Ali procurámos ajuda para os enigmas do viver e auxílio para modificar o que vemos acontecer em nós. Dentro e fora de cada um. Ser atingido por estes testemunhos é possuir uma máquina de espreitar para o nosso interior. É essa talvez a razão porque escolhemos fazer Hamlet, porque acreditamos nas artes como um sistema de resistência contra a destruição da alma que é o que nos preserva enquanto natureza, animal e humano. Sabemos que a palavra alma, essa força indistinta e intemporal, está fora de moda e o seu significado soa confuso incompreensível para muitos e para nós de certo modo também.”

João Garcia Miguel


DIREÇÃO, TRADUÇÃO, D
ESENHO DE LUZ: JOÃO GARCIA MIGUEL.
INTERPRETAÇÃO: SARA RIBEIRO, FREDERICO BARATA, RITA BARBITA, PEDRO J. RIBEIRO, ANTÓNIO PEDRO LIMA
ASSISTENTE DE DIREÇÃO E APOIO À TRADUÇÃO: SÉRGIO CORAGEM.
FIGURINOS: ANA LUENA.
DESENHOS DE LUZ: LUÍS BOMBICO.
DIREÇÃO DE SOM: MANUEL CHAMBEL.

domingo, 27 de novembro de 2016

Patinagem artística


Este post tem que ser lido ao som desta música. 
Porque 
se lhe acrescentarem o silvar dos rolamentos no soalho do rinque
têm a banda sonora dos meus sábados à tarde durante a adolescência.
O cheiro inconfundível do pavilhão:
um misto de óleo dos patins com madeira e pó levantado.

Vozes que ecoam, o apito da treinadora, uma ou outra travadela que guincha,
mas sempre os hits dos anos oitenta à mistura:
Podia ser "Listen to you heart"  (Roxette) ou  "Take my breath away"  (Berlin).

 E nós de um lado para o outro va-voom; va-voom;
uma extrema sensação de liberdade
à medida que ganhávamos confiança e maior velocidade;
a alegria eufórica de conseguir uma nova técnica - andar para trás; curvar; travar com os pés e não com o travão.

Podia começar um  "I wanna know what love is"  (Foreigner)
 enquanto a gente treinava figuras mais ou menos difíceis: o carrinho, o canhão (quanto me custava este!!!); o avião; a águia; a taça (sim, conseguíamos levar o pé à cabeça com uma só perna de apoio... ); o temido loop... ("Nothing's Gonna Stop Us Now" - Starship)

A gente chegava ao pavilhão e já o zumbir nos tacos, ao som de "The Time of My Life" ou
"I Wanna Dance With Somebody" da Whitney Houston.

Depois aquecia-se, treinava-se técnicas e figuras em pequenos grupos, divididos, suponho, por níveis etários e de desempenho. "Words... don't come easy"

Por fim, fazíamos fila indiana e atravessávamos o pavilhão em esses e oitos, das mais altas e mais velhas, em escadinha até às mais baixinhas. Eu era alta, mas não tão proficiente quanto a minha altura, pelo que aquele era um momento de verdadeira tensão em que me esforçava por acompanhar o ritmo da cobrinha serpenteante, sem que se partisse no meu ponto. Nessas alturas, a música estava ao rubro. (Já não havia instruções - limitávamo-nos a imitar as figuras das da frente.) Então, éramos só nós, equipa, a deslizar ao som da música e a bancada cheia de pais babados a trautear "I'm still loving you!"