Fiz o luto da morte da minha mãe numa biblioteca pública.
Não há nada de romântico no que acabo de dizer escrever. Foi exactamente assim que aconteceu.
Numa tarde de outono, presa ao texto, nó na garganta, olhos ensopados, a carpir abrigada e abraçada por estantes.
Todas as lágrimas que não verti nas cerimónias fúnebres se purgaram ali, num cantinho, ao fundo, de livro na mão.
Era para corrigir testes. Peguei no "Morreste-me" do Peixoto e li-o de uma assentada, baba e ranho. Estava tudo ali. A doença. A indignação. A raiva. A dor da perda. A consternação. A ausência. O abalo que a orfandade traz à nossa identidade. A Saudade.
Eu não sabia que (ainda) trazia tudo aquilo cá dentro. Eu tinha apenas ido corrigir testes. Já tinham passado dois anos; a minha vida prosseguira - com o que eu considerava ser uma boa alcatifa de resignação da minha parte. Havia que prosseguir. Cuidar dos filhos. Responder às exigências da profissão; dedicar-me aos alunos. Apagar alguns fogos (metafóricos) em vidas que me são próximas. Seguir em frente. Ser como ela.
Naquela tarde estava apenas a fazer isso mesmo - a levar a vida para a frente, a bulir. Havia-me refugiado ali para ser mais produtivo o trabalho. Não contava com aquilo.
Ler é transversal à minha existência. Em muitos momentos da minha vida o amor aos livros me ajudou a encontrar-me, a compreender-me e a reconciliar-me comigo própria.
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