Tu não o sabes, mas ontem foste celebrada no meu íntimo. A doce memória desse enaltecimento ainda salpica o meu dia, hoje, como pequenas gotículas de água de uma rega automática que aspergisse o meu ser, a minha mente, a minha alma. É uma humidade prazenteira, saudável, que hidrata a secura da minha pele. Sabe bem lembrar. Como não sabes, vou-te contar.
Escrevo isto ao lado de uma escola primária. é intervalo e as crianças brincam no recreio. Gritos, corridas, areia, gargalhadas e baloiços. Apetece-me ir brincar com elas. Remexer na areia. Pular ao pé-coxinho. GUIN-CHAR! Vasculhar nas folhas secas que o outono distribuiu pelo solo. Deslumbrar-me com um qualquer insecto invulgar que poisa num canto. Cabeças juntas a explorá-lo. Olha para elas! Eufóricas. Bom ser pequeno! Têm a tua alegria. Devolvem-me a ti, pelo sorriso.
Ontem, na tua casa, olhei para os teus filhos e pensei que entendo porque são crianças dóceis, meigas e em paz. Recebem-na de ti, de vós.
Ontem também, quando chegaste a casa, beijaste o teu marido nos lábios. Cheguei ao mesmo tempo que tu e, por isso, assisti. Ninguém me contou. Estava à tua porta, ia a tua casa, encontrámo-nos na rua e subimos juntas no elevador. Eu, tu e a tua filhota. Era tarde, estarias cansada, ela também. E ainda assim, carinho.
Ao abrir a porta de casa, um ser que rejubila ao ver-vos chegar. Saltita e abana a cauda. Alegria de quatro patas. Amor incondicional- um coração que bate descompassado ao ver-nos, que se pode desejar mais?
Gostei de entrar em casa convosco. Boas energias. O teu filhote a preparar a salada para a família, pantufas e dedos aprumados a cortar tomate. Mesa posta à vossa espera. Era tarde. Era hora de deitar, estavam as rotinas atrasadas- poderia ser caótico, tenso, mas não; havia ordem e serenidade.
Celebrei interiormente aquele momento de família.
Curiosamente, nesse dia, já tinhas sido celebrada em mim, sem o saberes. Quis dizer-to neste texto. Sabe sempre tão bem ouvir o bem.
Foi de tarde, na Modalfa. Fui trocar umas calças de fato-de-treino para a Maria. Calculei mal o tamanho. Julguei que um 7/8 acomodaria os seus seis. Enganei-me. Eu engano-me muito. Tenho sempre a sensação de que passo a vida a tentar trocar peças erradas, a falhar nos golpes de vista, a tentar pôr ordem nas coisas e que raramente acerto. (O jugo do meu perfeccionismo a atormentar-me)
A menina estendeu-me o talão da troca e pediu-me uma assinatura. Não a reconheci ou não percebi que era suposto saber quem era. Gracejei que lhe dava minha rubrica sem esforço e à borla, porque não era famosa e não valia muito o rabisco. A resposta dela apanhou-me de surpresa.
"Nunca se sabe, ainda poderá vir a sê-lo" (famosa)
"Como assim? Dificilmente...", respondo reticente.
"Pela sua escrita, no blog!"
Não percebi como tinha chegado a ler-me e foi então que me falou de ti. Leu-me através de ti, na rede social. Então falámos de ti. Nunca menos que "das melhores pessoas que conheço"; "um anjo"(ela); "o meu anjo da guarda" (eu); "um bom coração"; "um coração enorme"; "sempre disponível"; "uma boa amiga" e por aí fora. Foi bonito. Estávamos as duas a dizer a mesma coisa, a concordar uma com a outra, a acrescentar louvores e, no fundo, a celebrar-te. Faltavas lá tu e merecias ouvir.
Portanto aqui tens. Pessoa de valor.
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