terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Desta vez, ganha o salto alto!

Women Shoes Clipart fancy shoe 21 - 1500 X 1500Acabei de conhecer a tua mãe lá fora, ao portão, Zeferina!
Foi txitxa?
Sim, que mulher tão bonita! Toda elegante... 
É que ela trabalha num banco e tem de andar assim vestida e pintada...
Pois, estava mesmo bonita! Agora já percebi de onde te vem a tua beleza, parabéns!
Obrigada, txitxa! (estica o sorriso ao infinito)
De nada, é bonita e foi muito simpática! 
O teu pai também é assim?
Ela, muito depressa e por esta ordem:
Nããão! Tem cinquenta e dois anos, é careca, tem barriga e ainda faz Karaté!
Rio-me... e sem eu perguntar mais nada:
Ah e está desempregado, mas vende Herbalife, só que, para isso, não tem de vestir nada de jeito, anda sempre de qualquer maneira!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

"Certa idade"

Chego um pouquinho atrasada às Correntes, 
porque a mesa começa às dez e a minha aula também terminou a essa hora. 
De maneira que subo a escada, 
entro pela lateral para não incomodar muito 
e arranjo lugar logo ali no topo do auditório, junto à coxia. 
Sento-me, desembaraço-me de casacos, chaves e tralhices, saco caderninho e material escrevente
(a gente ainda leva um certo tempo a acomodar-se)
habituo os olhos cheios de luminosidade exterior à semi-luz da sala e, finalmente, observo. 
Tenho de semi-cerrar os olhos míopes para ler os nomes das entidades lá ao fundo, 
pelo que abro o saco, 
novamente, 
a fim de consultar o programa e verificar -de mais perto- os ditos nomes.
Estico os olhos sobre as cabeças da plateia. 
Para esta hora matinal, até está composta. 
Cá de cima, o anfiteatro é uma cascata de carecas e cabelos grisalhos
Não há jovens que se interessem pela leitura e pela escrita?

Dias depois, Mário Cláudio refere jocosamente que esta expressão "de certa idade" é algo curiosa, particularmente quando, de seguida, se lhe acrescenta "mas com boa cabeça". 
Seja. 
As Correntes estão cada vez mais concorridas, o certame celebra vinte anos e vem crescendo em qualidade e afluência.  
A edição deste ano foi realmente extraordinária. 
Pena é que as "boas cabeças" sejam, 
não posso deixar de constatar, 
maioritariamente grisalhas ou carecas!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Afectos na praia

Resultado de imagem para bicicleta perto do náuticoJá sabem onde almoço nestes dias de sol, certo?

Bem, 
quando chove estaciono na mesma em frente ao mar
e como dentro do carro.

Esta semana tem estado bom para o marmitar marítimo.

Hoje até molhei os pés!
(Três. Sabiam?
Três ondas é o número perfeito para limpar as energias com água salgada, dizia a Júlia, cujas energias já andam por esse universo infinito fora.
Eu não sei se acredito ou não,
mas pelo sim, pelo não,
e para honrar a Júlia,
deixo correr três vagas.)

A praia deserta é a minha praia.

Só assim, sem o barulho dos veraneantes, é que realmente se escuta o mar. 

Nesta minha praia deserta há, uma vez por outra, uma alminha a caminhar na areia ou encostada a uma rocha, como eu, suponho, em busca de silêncio e calmia neste mundo que gira tão velozmente.

Há um octogenário que chega regularmente de bicicleta.
É magro e enrugado; vem sozinho, traz boina, vem de bike  (ouviram bem);
encosta-a ao poste e senta-se no banco a contemplar.
A apanhar um pouco de sol, de vento ou de ar fresco, o que houver. 

Somos muito assíduos, os dois.
Pese embora nunca nos tenhamos falado, gosto de o ver por ali.
Gosto de o ver chegar, a pedalar, cheio de vivacidade e força nas canetas.
Agrada-me que ali esteja, a observar.
De vez em quando, semicerra os olhos e reclina a cabeça para trás.
Não dorme, desenganem-se. É a sua forma de usufruir do sol.
Às vezes, penso: terá sido pescador? (tem a pele tão tostada)

Quando não vem, sinto-lhe a falta.
Preocupo-me, temo o mau.
Que lhe tenha faltado a força nas canetas.
Temo o pior.

Ele hoje não veio.
E foi a sua ausência que me fez sentir sozinha,
naquele bocadinho de tempo em que os nossos silêncios costumam conviver.

Em véspera do dia do amor 
- amanhã é o São Valentim, certo?
a praia está tão vazia
que dou por mim a pensar:
mas onde é que andam os pares de namorados desta cidade?
Um sítio deslumbrante destes, um dia cheio de sol
e não há quem venha para aqui namorar?
Já não há homens românticos?
(Penso - tá tudo na escola!)

Alargo a vista para o horizonte
e vejo, lá ao fundo,
efectivamente um casal.
Afinal ainda há homens românticos.
Estão uns com os outros.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Papooooona!

A gente anda a dar os alimentos e as bebidas, no quarto ano.

É um tema que eles adoooooram 
e sobre o qual têm míriades de bitaites a dar, desde o cheiro da sopa da avó 
(ao que parece já só as avós fazem sopa; as mães deixaram-se disso!!!)
ao número exacto de flocos de cereais que põem no leite da manhã!

Depois há os biológicozinhos, tudo vegan, tudo clean, sem glútens nem nada dessas modernices que não mataram as gerações anteriores, mas que agora os incham e os tornam agressivos ou eufóricos ou deprimidos ou o que quer que seja.

Eles aprendem, 
maizómenos,
lá vão dizendo BOTATOES (pois claro, batatas); 
LIMONADE (qual lemonade); 
SOAP (que quer dizer sabão e não sopa!😃😃😃) 
e UVES (grapes é em estrangeiro, nem se vê que é uvas!)

Depois têm este exercício 5, que se vê na imagem, 
para escreverem 
Things I like e Things I don't like
- as coisas que gostam e as que não gostam,
em cada coluna, respectivamente.

Antes de começarem a perguntar-me 
como é que se diz bolinhos de bacalhau em inglês, txitxa?
vou avisando que é só com as palavras que aprendemos
só as que estão nas imagens do livro.
Suspiro, porque há sempre um que confirma:
então não posso escrever pizza?
e lá se entretêm com as limitadas trinta opções ali esparramadas.

Só que há uma,
a popotita da turma,
rolicinha e de bochechas rosadas,
que me diz, toda indignada:
"Txitxa! Txitxa! O que é que eu ponho na coluna do don't like?
Eu gosto de TUUUUUDOOOO!!!"





segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Dias normais

Imagem relacionadaEm dias normais,
vejo e escuto tanto,
que me canso mais disso
do que propriamente de dar aulas.

Em dias normais
a menina do segundo ano,
olho azul profundo,
a ser ralhada por...
ter feito xixi nas calças,
pela terceira vez no mesmo dia.

Tento falar-lhe, mesmo sem a conhecer,
e aquelas esferas,
muito azuis,
muito dilatadas,
muito assustadas
a fitar-me,
como se eu pudesse ver lá no fundo
aquilo que a inquieta tanto!
Não consigo!

Vejo vergonha e medo,
daquele instante concreto;
do ralhete das adultas,
que já a mudaram hoje
- não as censurem:
são humanas,
cansam-se,
esgotam-se,
mudam fralda,sim,
várias vezes por dia,
todos os dias,
a uma outra menina
que chegou ao primeiro ciclo
cheia de traumas e sem nunca desfraldar;
com esta é que não contavam,
e há os outros duzentos aos pinchos no recreio,
a atropelarem-se e a esfolar joelhos.

Em dias normais
o menino que tem um achaque
logo após o lanche,
tensão baixa não é, de certeza,
mas está desorientado
e desfalece;
chama-se a ambulância,
vai recuperando,
já fala,
diz aos paramédicos
que não quer ir ao hospital,
que no corpo dele ninguém toca.
E aquilo fica a tilintar-me nos ouvidos,
tanto ou mais do que a possibilidade de diabetes.

Em dias normais
o José não traz lanche;
outra vez
ou ainda.
Sei que há maçãs e pão disponíveis no recreio,
mas ouço-o pedinchar aos colegas
outra vez
e ainda.

Deixo-lhe a fatia de bolo de chocolate
que a Ritinha me reservou do seu bolo de nono anversário
(cor-de-rosa, com unicórnios e arco-íris)

Dói-me a barriga do chocolate que não comi,
do arco-íris que ao José ninguém pinta lá em casa
e das mudas de roupa urinada
que as funcionárias secam no aquecedor.