segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Perfil do actual aluno de 1ºciclo

Resultado de imagem para kid classroom, clipartEu adoro os pestinhas, juro que adoro. 
As crianças são, por natureza, mais afectuosas 
que os adolescentes com quem trabalhei anos a fio. (passem-se sempre as generalizações para que o texto flua sem muitos parêntesis). No entanto, não há cenários idílicos na minha cabeça.
As minhas segundas impressões (e ainda frescas e vagas) apontam para o seguinte perfil nos miúdos que encontro na sala de aula e a verdade é que nem tudo me parece bem na fotografia.


 1) Imaturidade
É evidente que uma criança de seis, oito ou dez anos é um ser em crescimento e em aprendizagem. É suposto ser imatura. Agora, choramingar (o que em inglês chamamos whinning), falar de forma abebezada, fazer beicinho e amuar, não ter nenhum tipo de mecanismo de auto-regulação, revelar uma autonomia motora, emocional ou intelectual diminuta parece-me um reflexo dos nossos contextos familiares onde se habituaram a ser dependentes dos progenitores para todo o tipo de tarefas. Sabem jogar PSP, mas não conseguem apertar os cordões das sapatilhas?
A nossa sociedade tem infantilizado as crianças.

 2) Sensualização Prematura
Paradoxalmente, as nossas crianças têm posturas, atitudes e uma linguagem erotizada que, a meu ver, é completamente desajustada. Talvez elas estejam a ser bombardeadas com imagens do corpo, talvez estejamos a ter pouco cuidado com os conteúdos a que acedem em navegação não controlada, quer dizer, basta irem ao Youtube com o intuito de ver desenhos animados, para estarem exxpostos a conteúdos menos próprios. 
Seja como for, continuo a achar chocante um menino de nove anos dizer "tu queres é pau" ou "chupa-me isto" ou  "Faz-me aquilo"; continuo a achar chocante que saibam fazer o gesto do dedo e que o façam com significação e que as meninas digam "tetas" e afins. Não me estou a restringir a franjas sociais desfavorecidas. Estou a falar dos "nossos filhos".

3) Egocentrismo
Sinais dos tempos, dir-me-ão. Talvez, mas em ponto pequenino custa-me presenciar. Eles têm dificuldade em partilhar materiais, eles querem ser primeiros e únicos, eles são super competitivos. Competir poderia ser saudável, concedo. Não, no entanto, quando sem escrúpulos, ou quando vejo que há ressabiamento e inveja por um elogio a outro colega, ou quando para brilharmos precisamos de pisar os outros. "Vai ver o TPC? Note-se que fui a única que fez!" (blhaaaac!)

4) Fraca tolerância à frustração
em confronto com a autoridade
Vê-se particularmente na aceitação de limites e cumprimento de regras. Custa muito incutir rotinas de respeito - a maior parte dos miúdos lida mal com a chamada de atenção ou castigo ( um vermelho no quadro do comportamento, a exclusão do jogo quando não está a cumprir as regras, etc ). Fica-se com uma forte percepção de que não estão habituados ao NÃO.
Muitos meninos desta faixa etária são príncipes e princesas dotados de comportamentos impiedosos, são verdadeiros ditadores, que mandam em tudo e em todos, que não compreendem a influência negativa que exercem sobre os outros e desconhecem os seus limites ou limitações. É muito mais difícil que a escola tenha de fazer esse papel todo sozinha. Também (e primordialmente) cabe aos pais essa função. Ao tê-lo negligenciado não facilitam a vida dos filhos, dificultam em muito a sua integração escolar e social.

Fraca tolerância à frustração
 na tolerância ao erro
Também na tolerância ao erro me parece haver fragilidades educativas. Ao tirar as pedras todas do caminho às crianças, ao viverem em ambientes tão sempre monitorizados e controlados por adultos, ao educá-los para o sucesso, com o nosso moderno foco no sucesso, está a emergir um grupo de crianças extremamente frágil, pouco confiante, que detesta falhar, tem medo de fazê-lo e, portanto não arrisca. Numa língua estrangeira isso é mau. Duas das competências essenciais à aprendizagem de uma língua nova são  "risk-taking" e "error tolerance".
Para aprender é preciso falhar.
Deixamos as nossas crianças falhar?

5) Impaciência
Eu pensava que era uma pessoa ansiosa. Eles vivem em alta tensão.
Está-se a acabar de pedir que abram o livro na página x e eles a perguntar se vão fazer a sopa de letras da página ao lado ou ouvir a canção y que vem na página seguinte...eh pá! Reajo mal. Eu havia de me sentir satisfeita: estão ultra-motivados, expectantes, ansiosos, querem participar em tudo na aula de inglês, mas... é esta rush, a pressa, o frenesim, o nervoso miudinho 
que os impede de esperar por uma fotocópia que começa a ser distribuída numa ponta da sala- "eu ainda não tenho! eu ainda não tenho fiiiiichaaaaaa!"
(rrrrrrrrrrrrrrrrrrrr! ESPERA, criatura!!!)

A mim, deu-me que pensar...

Serão fruto de uma sociedade da voragem da imagem, do estímulo digital, rápido, ao segundo? 
(já repararam na velocidade dos filmes de animação hoje em dia? Comparem-nos com o que víamos do Bambi, do Rato Mickey ou da Pantera Cor de Rosa...)

Serão reflexo do stress em que vivem, eles e os pais? Tudo rápido, tudo depressa, tudo veloz...

Professora, já acabei!Que faço agora?


6) Boredom
Eu acho que esta é a outra face da moeda.
Ultra estimulados, os nossos meninos, entediam-se com facilidade. Rapidamente desligam de um jogo, de uma tarefa, rapidamente esgotam a alegria de algo que lhes estava a dar prazer.
"Que seca!", ouve-se amiúde.
"Seca são meninos que se queixam e não dão valor a nada! Preferes fazer uma cópia de três páginas, como faziam os teus pais antigamente?"

Esta sensação de esgotamento do prazer, de vazio, de tédio não se restringe à sala de aula. Ouço-os no parque, na praia, em frente à própria televisão. Não sei bem como definir isto, mas parece-me preocupante. Como se todos os estímulos a que estão sujeitos os tivessem drenado, sugado, empedrenido.
Os nossos filhos,
filhos da abundância,
da tecnologia
(centenas de canais de televisão, tablets, consolas, computadores, telemóveis, drones and so on)
do turbilhão de livros, brinquedos e actividades de tempos livres, clubes, festas temáticas, passeios, parques temáticos, workshops e concertos...
não sabem como entreter-se e entediam-se com facilidade -  "Que seca, não há nada para fazer!"

7) Ingratidão
Filhas da abundância, muitas das nossas crianças hoje em dia,  vestidas como bonecas, cheias de tules, lacinhos, folhos e purpurinas, as nossas meninas deitam lanches ao lixo e olham com desdém para uma oferta de aniversário ("destes rebuçados?") ou para um prémio de um concurso ("isto?) ou para um filme de Halloween, antes mesmo de o verem ("vai ter 4 minutos?)
Ninguém quer voltar ao tempo das fomes e carências, nem à velha imagem da professora primária de régua na mão, em que os miúdos, por medo, não diziam o que lhes ia na alma.
Contudo, parece-me que estamos a falhar em passar-lhes gratidão pelos bens e reconhecimento e respeito pelo outro.

Sei que parece haver um tom moralista em todo o texto. Advogo, em minha defesa, que são reflexões que me batem de frente. Porque sou mãe de um menino e de uma menina que, indubitavelmente, também são para alguém alunos com estes traços. Tento estar atenta, contrariar e dar o meu contributo para o que me parecem ser sinais dos tempos. Not easy, though. Remar contra a maré.

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