quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

YEVA

 


Yeva, "a que vive", "a cheia de vida", chega-nos à escola no ano passado.

Refugiada, fugida de uma guerra de adultos, para uma escolinha poveira à beira mar, cheia de luz, vida. risos de crianças e gaivotas no recreio.

Yeva traz uns olhos azuis cheios de vontade de aprender, um alfabeto diferente, uma ternura como a nossa. Brinca no recreio com os colegas portugueses, brasileiros, chineses, argentinos, enfim. O recreio é o mundo global, mas sem ecrãs, sem falhas de rede, uma Babel em que os risos e a partilha de lanche traduzem os indecifráveis da língua.

Yeva gosta de aprender. É empenhada e rápida. A primeira vez que diz "Posso ir casa d banho?" é uma emoção gigante, a turma aplaude e ela sorri.

Yeva
"a Cheia de vida"
domina a linguagem dos números, não interpreta ainda problemas matemáticos, porque o enunciado lhe não fala, mas calcula, calcula bem, calcula rápido, no cálculo brilha ao lado dos melhores da turma.

Yeva
adora a aula de inglês.
Nessa está ao nível dos pares.
Todos na iniciação.
Essa aula faz a ponte maior, o salto cultural,
o trampolim para o Outro.
Ouve as histórias e canta em uníssono com a turma.
Está integrada e isso enche-me a alma.
É o verdadeiro sentido de ensinar uma língua estrangeira.

Yeva, 
é a primeira a chegar à aula de apoio.
Quer fichas e mais fichas.
Trabalha como uma formiguinha voraz.
É a aluna perfeita.

...


Yeva, nos últimos tempos perdeu a luz. 
Já não é tão "cheia de vida"!
Franze o sobrolho.
Bate com o lápis compulsivamente na mesa.
Olha sem brilho para o quadro e não copia.

Segunda-feira chora.
"Yeva casa quer ir"
Liga-se à mãe.
Correm as lágrimas à nossa menina "que vive".
Abraço-a.
Chora mais. Soluça. Deixa-se abraçar e encosta os cabelos loiros ao meu tronco.
Não sei o que se passa com Yeva, mas sinto o peso da dor incomunicável.
Pergunto: "You fine?" "Don't cry" "We are your friends" "School is ok" "You like school, don't you?" 
"Yes? School good?"
Compaixão por esta menina. Penso, que difícil deve ser não poder comunicar.
Algo aconteceu. Se calhar zangou-se com algum menino.
A funcionária diz-me que não tem querido ir ao recreio.
Dói-me, mas a vida segue.

Acabo de perguntar outra vez.
O que se passa, afinal, com a nossa Yeva?

O pai morreu.
Na guerra.

De repente, a Ukrania, as mortes, a guerra e o sofrimento, 
já não são apenas números no telejornal.

É a nossa menina "cheia de vida" de olhos azuis, vermelhos de lágrimas.

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