quinta-feira, 29 de setembro de 2016

I'll prove you wrong!

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Os senhores ministros, (nenhum em particular, todos em geral) que é como quem diz as pessoas dos gabinetes, grande parte da comunicação social e mesmo os comuns cidadãos de classe média-alta, é que me deviam ter acompanhado a uma certa escolinha básica, que nos brinda com roupas penduradas no gradeamento lateral. A escola é geminada com as caravanas, está literalmente implantada no seio de uma comunidade de etnia cigana, onde acaba o asfalto e se encontra o acampamento em terra batida. 
Nunca tinha visto nada assim. Qual era a ideia? Criar igualdade de oportunidades no acesso à educação? Ou gerar uma espécie de gueto que separasse o trigo do joio? Dá que pensar.

Assim foi como me falaram da escolinha, antes mesmo de lá ir. A "escolinha dos ciganos". Está rotulada, nada a fazer. De facto, há efectivamente muitos calós, muitos meninos de etnia, mas nem o epíteto é preciso, porque existem também crianças de uma instituição de acolhimento (IPSS) e miúdos que simplesmente habitam nos bairros circundantes. Mas, adiante.



A reunião de encarregados fez-se com a presença de um senhor agente. Foi a primeira vez que tal me aconteceu. Claro está que o guarda Alfredo (nome fictício) estava em representação da Escola Segura, o programa de apoio às escolas resultante da parceria entre o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Educação. Muito útil, esse programa, a meu ver.  A presença policial ocasional (ou, em certos casos em permanência) junto à entrada das escolas veio beneficiar em muito o ambiente escolar. Na prevenção em áreas tão vastas como a segurança rodoviária (respeito pelas passadeiras, utilização de cadeirinhas, etc), os consumos, o absentismo e a delinquência juvenil. Não é, no entanto, esse o meu ponto hoje. Onde quero chegar é que este elemento estava ali presente para alertar os encarregados de educação, aqueles encarregados de educação, para a obrigatoriedade da frequência escolar (ao que parece, a assiduidade é um ponto crítico) e também para a vigilância das mochilas das crianças. Para que não trouxessem objectos perigosos ou mesmo armas para a escola. Senti-me apreensiva com este aspecto, não posso negar. Afinal, estamos a falar de meninos do primeiro ciclo...


Por natureza, arrepiam-me os chavões, os preconceitos, as ideias pré-concebidas. 
Por forma que, quando alguém me vem (naturalmente com boas intenções) alertar, no início do ano lectivo, para esta ou aquela situação, etiquetando alunos e compartimentando comportamentos, eu tenho tendência para fazer um meio sorriso cordial, agradecer e acenar afirmativamente ao relambório - enquanto o meu coração dispara e o meu cérebro me envia mensagens do género:
"pessoa pessimista"; "que exagero!"; "está visivelmente cansada e farta disto"; "técnico desmotivado e a precisar de reconhecimento social"; "desiludiu-se com algum deles", mas, acima de tudo: 
"I'll prove you wrong" (vou provar que estás errado)
Por alguma razão o meu pai me apelidava de defensora das causas perdidas. MESMO.
E, portanto, lá encarei a situação afastando as cobras e lagartos com que ma pintaram e fui para aquela escola como vou para todas as outras. Imbuída de vontade de trabalhar, energia, motivação, boa disposição e paciência (mantra para estreantes no primeiro ciclo: são crianças, Marta; são crianças!!!!)

A verdade é que, passado o síndrome do primeiro dia de aulas (do qual falei neste post) o verniz começou a estalar. Como hei-de explicar? Não há-de ser a tempestade no copo de água que me pintaram, mas também não será para navegar em águas serenas. Não é que me tenha rendido aos Velhos do Restelo das pedagogias balofas e do autoritarismo gratuito ("com estes tem de falar grosso desde o início,não os deixe trepar, professora, se não, não faz mais nada com eles!" - disse-me alguém após ouvir a turma, na primeira aula, a cantar a canção do "Hello!").
Não é que tenha validado esses azedumes. Cá dentro só ressoava um "I know better" (deixe-me cá, eu é que sei). Não é que lhes tenha dado razão.
Não é isso.
Só que, de certa forma, consigo perceber o estereótipo. Está realmente tudo lá. Os cabelos compridos e povoados, as unhas mal higienizadas, o pedinchanço ("posso ficar com isto? não me arranja uma?") a lábia, a xico-espertice, o gamanço. ("Devolve esses lápis à tua colega que são dela"; "Também não são dela que os fanou!"). A linguagem. A agressividade entre pares como forma de comunicação. Tudo. 

Não me parece, porém, razão para desistir, digo, desinvestir. Pelo contrário. Seria perpetuar as desigualdades. Parece-me, pelo contrário, que já escolhi a turma que vai cantar as Christmas Carrols na festa de natal da escola sede.

1 comentário:

  1. Esta será, certamente, mais uma das vicissitudes inerentes à profissão que escolheste que vais conseguir ultrapassar. Com o teu espírito de grande lutadora (Já venceste outras batalhas), a tua vontade de ensinar e ajudar e a experiência adquirida ao longo de todos estes anos de luta, vais ver, isto não passará de mais um simples tropeção na calçada da vida. Pena é, isso sim, que o reconhecimento por parte dos responsáveis seja sempre direccionado para os artista da mesma peça teatral, em prejuízo dos verdadeiramente merecedores. Enfim, na verdade, também está no nosso ADN já não estarmos à espera de nada que "caia" do Céu. Continua tu mesma, minha filha, porque isso é coisa que já só se vê em muito raríssimas excepções. Estou orgulhosamente contigo.

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