Jenny Chang/ BuzzFeed |
O meu casamento ardeu.
Não quero dizer metaforicamente.
Quero dizer literalmente.
Quero dizer literalmente.
No dia da celebração, o espaço onde decidimos comemorar a boda incendiou-se.
Tivemos que fugir todos a correr. Convidados, nubentes, funcionários, animadores, até o palhaço...
O palhaço do dono da herdade, que no dia a seguir me quis cobrar na mesma o serviço. Pelo menos as entradas, alegava, sempre servimos lagosta e queijo da serra! Palhaço mais palhaço que o palhaço!
Esse, ao menos, o verdadeiro, ainda juntou as crianças todas no comboinho da quinta, que, pela primeira vez na vida fez uma viagem verdadeiramente útil - a que salvou aqueles miúdos, não apenas do fogo, mas do alarido, do trauma e do medo.
O Patati.
A esse, paguei-lhe.
Assim que avistou a nuvem de fumo negro, abriu o sorriso de gesso branco, apontou o nariz vermelho na direcção oposta, activou a fantasia e resgatou-os a todos para o mundo da magia. A cantar e a bater palmas, muito alto, muito alto
( "CÁ-DÁ VEX MAIJATO CRIANXADA! O PATATI QUER ÓVIR!")
as crianças encarreiraram para o comboinho para irem capturar duendes do outro lado do lago, para os lados da floresta.
Para elas, fez-se magia.
Bendito! Houve, pelo menos alguém que nessa tarde manteve a ilusão.
Eu não.
Tentaram consolar-me com adjectivos pomposos.
Um "casamento escaldante"; um "dia inesquecível"; uma "celebração única".
Respondi-lhes com a minha apropriação do dito proverbial "Boda molhada, boda abençoada."
Boda queimada, boda lixada.
Tentaram animar-me.
Que percebiam a minha mágoa, um dia tão particular na nossa vida, uma data a celebrar, uma festa preparada ao pormenor, um espaço seleccionado com rigor...
mas que afinal todos estavam bem, não havia danos.
Sei-o eu. Dos danos. Dos prejuízos.
E não falo da boda. Falo do matrimónio.
O meu casamento ardeu.
Ao fim e ao cabo também literalmente.
Sabia-o. Sabia-o ao repetir, compulsivamente, vestido chamuscado e encharcado, corpo trémulo e a balançar para a frente e para trás no banco da limusina do resgate, cobertor à volta dos ombros, rímel a escorrer, dentes rangentes:
Boda queimada, boda lixada. Boda queimada, boda lixada. Boda queimada, boda lixada.
Sabia-o, antes mesmo, no minuto em que virei a esquina de acesso à piscina e vi as labaredas.
Não tive dúvida quando o André alertou a recepcionista para as chamas.
Sabia que não era apenas um incidente. Era o meu casamento a arder.
Não precisei de esperar pelos resultados das perícias policiais para ter a certeza da tragédia.
A imprensa deu conta de que o incêndio teve início nas camaratas de estudantes anexas ao empreendimento hoteleiro. Não foi preciso ouvir muitas testemunhas para que os adolescentes revelassem os descuidos e leviandades da juventude. Cigarros, álcool, alcatifas. Acuada, em jeito de alibi, uma miúda revelou estar com o noivo no quarto e, portanto, nada ter a ver com a tragédia.
Nada!
Tivemos que fugir todos a correr. Convidados, nubentes, funcionários, animadores, até o palhaço...
O palhaço do dono da herdade, que no dia a seguir me quis cobrar na mesma o serviço. Pelo menos as entradas, alegava, sempre servimos lagosta e queijo da serra! Palhaço mais palhaço que o palhaço!
Esse, ao menos, o verdadeiro, ainda juntou as crianças todas no comboinho da quinta, que, pela primeira vez na vida fez uma viagem verdadeiramente útil - a que salvou aqueles miúdos, não apenas do fogo, mas do alarido, do trauma e do medo.
O Patati.
A esse, paguei-lhe.
Assim que avistou a nuvem de fumo negro, abriu o sorriso de gesso branco, apontou o nariz vermelho na direcção oposta, activou a fantasia e resgatou-os a todos para o mundo da magia. A cantar e a bater palmas, muito alto, muito alto
( "CÁ-DÁ VEX MAIJATO CRIANXADA! O PATATI QUER ÓVIR!")
as crianças encarreiraram para o comboinho para irem capturar duendes do outro lado do lago, para os lados da floresta.
Para elas, fez-se magia.
Bendito! Houve, pelo menos alguém que nessa tarde manteve a ilusão.
Eu não.
Tentaram consolar-me com adjectivos pomposos.
Um "casamento escaldante"; um "dia inesquecível"; uma "celebração única".
Respondi-lhes com a minha apropriação do dito proverbial "Boda molhada, boda abençoada."
Boda queimada, boda lixada.
Tentaram animar-me.
Que percebiam a minha mágoa, um dia tão particular na nossa vida, uma data a celebrar, uma festa preparada ao pormenor, um espaço seleccionado com rigor...
mas que afinal todos estavam bem, não havia danos.
Sei-o eu. Dos danos. Dos prejuízos.
E não falo da boda. Falo do matrimónio.
O meu casamento ardeu.
Ao fim e ao cabo também literalmente.
Sabia-o. Sabia-o ao repetir, compulsivamente, vestido chamuscado e encharcado, corpo trémulo e a balançar para a frente e para trás no banco da limusina do resgate, cobertor à volta dos ombros, rímel a escorrer, dentes rangentes:
Boda queimada, boda lixada. Boda queimada, boda lixada. Boda queimada, boda lixada.
Sabia-o, antes mesmo, no minuto em que virei a esquina de acesso à piscina e vi as labaredas.
Não tive dúvida quando o André alertou a recepcionista para as chamas.
Sabia que não era apenas um incidente. Era o meu casamento a arder.
Não precisei de esperar pelos resultados das perícias policiais para ter a certeza da tragédia.
A imprensa deu conta de que o incêndio teve início nas camaratas de estudantes anexas ao empreendimento hoteleiro. Não foi preciso ouvir muitas testemunhas para que os adolescentes revelassem os descuidos e leviandades da juventude. Cigarros, álcool, alcatifas. Acuada, em jeito de alibi, uma miúda revelou estar com o noivo no quarto e, portanto, nada ter a ver com a tragédia.
Nada!
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