segunda-feira, 10 de julho de 2023

Canoa, por onde vais?

 


No leito deste bocadinho de Cávado por onde ando, é costume haver canoistas em trânsito, um ou outro barquito, motas de água a voar na água.

Gosto de ouvir os remos na água e as vozes deles lá ao fundo, muitas vezes em bando, equipas de miúdos, o treinador a dar instruções, o eco dos risos debaixo da ponte de Fão, o bulício da preparação dos equipamentos a sair para a água, ou as cores das canoas lá ao fundo em Gemeses, os despiques, os risos, o burburinho longe, se eu estiver noutra margem.

Uma tarde destas, passeava o Rafa entre a margem de Esposende, para cá da Foz. Meia dúzia de canoas duplas , bastante afastadas entre si, avançavam com esforço no sentido da ponte de Fão, ainda longe. Eram miúdos, adolescentes talvez. Duas míúdas, primeiro. Lentas, mas coordenadas, progrediam. Lá mais ao fundo, das piscinas de Esposende para cá, duas ou três embarcações também em movimento no meu sentido. 

Parados, em frente a nós, na água, dois miúdos estancados, dentro da canoa.

"És burro ou quê, mano?", 

"O que é que tu queres, atrasado?"

De vez em quando, um investia, sozinho e a canoa mal de deslocava ou só abanada ou movia um semi-círculo ou andava mesmo uns centímetros para trás.

Voltavam a reclamar um com o outro.

O da frente reorganizava-se, dava instruções, contava até três, "vamos lá", ambos voltavam a envergar o remo, o da frente atacava a água, o de trás fazia um playback gestual e simulava o movimento sem determinação nem verdade.

Mais disparatar. Mais gritos. Mais amuos. Mais pousar os remos em birra.


Penso: não pescam nada!

Penso: precisam um do outro, nunca mais lá chegam assim 

e o problema aqui não são músculos, mas colaboração e ego.


Ao aproximar-se uma outra canoa das que estavam para trás, são assurreados pelos colegas, gloriosos com a ultrapassagem (será que é este o termo na água?) e, claro, afinfam verbalmente um no no outro: porque tu isto, tu aquilo, cabeça disto, filho daquela.

Dali não vão sair depressa.

Terão de engolir egos e orgulhos e perceber que só colaborando, gostem ou não.

O meu passeio com o cão acaba. Deixo-os naquele purgatório de remadas de sol em riste.

Trago para casa aquela desconcertante canoa, com meio sorriso amargo. Das metáforas que poderia eu trazer para a vida. A viagem. A diversão de uns, o pragmatismo, a neura para outros. O acaso e a sorte que nos calha com os parceiros. A dificuldade de remar sozinho ou em águas adversas. A humildade de saber pedir e aceitar ajuda. o facto de que ninguém virá da margem para nos salvar e termos de ser nós mesmos a remar. A necessidade de não perder o rumo e ser resiliente para chegar ao porto...

Enfim. Vamos Rafa, que tu nem gostas de água!


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