quinta-feira, 29 de junho de 2017

Tranquilidade

Foto de Racheous.Uma paixão.
Um emprego.
Uma amizade.
Um negócio.
Um casamento.


Se o preço é a tua paz...
é demasiado caro.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Danças gitanas, beijinhos e abraços

Hoje despedi-me da turminha de que falei aqui.
Parece-me que ainda foi no outro dia que ali cheguei e, afinal, criámos tantos laços, que já custa partir.
Hoje foi uma aula de encher o coração. Levei-lhes gomas, escrevi-lhes mensagens de despedida nos cadernos, recebi abraços, beijinhos e danças. 
Nem sempre foi fácil, mas sinto-me - e disse-lhes- muito orgulhosa do que conseguiram. 
Não obstante as contingências, desde falta de pontualidade e assiduidade a carências económicas diversas, mas principalmente a ambientes familiares complexos, abandonos, traumas e mais uma série de eteceteras...
Apesar de todo esse background e da própria dinâmica conflituosa da turma - não havia dia sem rixas, pragas ou ameaças -  muito crescemos, todos, ali.
Cumpriu-se o programa na totalidade, lemos livros em inglês, fizemos projectos manuais lindíssimos, ensaiamos canções e, acima de tudo, várias vezes tivemos de nos ajustar para viver em comum. Uso o plural porque aprendi muito com eles. Tive de me reinventar, muitas vezes, para levar o barco a bom porto. 
Agora já estávamos em sintonia:
Trabalhar, quando é para trabalhar - cada um ao seu ritmo e nas suas coisas ou a pares, porque um grupo destes dificilmente responderá como "turma" 
E  conversar, desabafar, debater, negociar... muito, porque assim fazia parte.

Querem um exemplo?

Uma manhã, chega lá a Bernardete e diz-me:
"Professora, a partir do dia dezoito já não sou sua aluna..."
"Oh, então porquê?"
"Porque o meu pai recebeu um papel do tribunal a dizer que temos de sair do terreno até essa data ou ele vai preso. Já viu? Acha bem? Moro lá desde que nasci..."

Olho-a profundamente nos olhos e sei que gosta de mim e que espera empatia com o drama que está a viver, mas em segundos decido que ela também deve ouvir, da parte de alguém que respeita, a outra versão da história. Digo-lhe, com suavidade, e medindo as palavras como quem pisa brasas a ferver.

"Sabes, minha querida, eu entendo que isso seja difícil para a tua família, que vos custe mudar de casa, mas o terreno pertence a alguém e essa pessoa pode estar a precisar dele..."

Ela, olhando-me com aqueles olhos amendoados gigantes, a implorar anuência, compaixão:
"Já viu, acha bem? Despejar uma família? E a senhora fazia isso, diga lá, era capaz de fazer isso?"

Comoveu-me aquela criança, a ver em mim uma bondade que não tenho, a supor-me virtuosa e piedosa, a ler toda aquela situação à luz de uma cultura tão distante da minha... hesitei, mas achei que era o momento certo para estimular o espírito crítico da menina.

"Olha, não sei, depende. Se o terreno fosse meu e eu precisasse dele, por exemplo, para fazer uma casa para o meu filho, tinha de conversar convosco para arranjar uma solução, não é? "

Toda a expressão facial dela mudou. Durante uns instantes, sei que ela seguiu o meu raciocínio e aquilo lhe fez sentido.

"Nós não sabemos se a senhora precisa da terra, ou de vendê-la para ganhar dinheiro para qualquer coisa que lhe faça falta, sei lá..."

Disparatou.
"Ah! Precisa, precisa! Precisa agora! Ela é rica! Num lhe interessa nada; nós é que temos de ir viver para outro sítio ou levam o meu pai para a prisão...onde é que já se viu? C'os seus mortos!"

Mas eu sei. Que, durante uns segundos, houve ali uma centelha que brilhou. Ela viu as coisas de outra perspectiva e ouviu-me. Foram precisos muitos meses  para que me ouvisse desta forma, mas consegui.

Hoje, não me queriam deixar partir. Agarradas a mim  como se sempre tivesse sido fácil. Não foi. Tive de bater o pé, muitas vezes. Dar com uma mão e tirar com outra. 

Guardo no coração aquelas histórias difíceis e sinto orgulho no trabalho que desenvolveram, desenvolvemos.

Para mim, confirmação da grande aprendizagem de vida que me serve pessoal e profissionalmente: Todos andamos no mundo à procura de validação. Se respeitarmos e validarmos o outro, seremos respeitados também.  

Depois de um ano a ouvir pragas - Uma benção, neste recado que transcrevo: 
" O mais engraçado foi não ter precisado de um beijo para gostar tanto de si!
O Espírito do senhor sempre a conduzirá, segure na mão dele e vai!"





segunda-feira, 19 de junho de 2017

Fogo que arde PARA se ver

Resultado de imagem para luto símboloChamar-lhe incêndio é insuficiente.
A tragédia de Pedrogão.

Incontornável, a chamar-nos à realidade 

de uma nação florestal que há anos arde no seu próprio lume

de um território arborizado e a mato, em que os meios de Prevenção são insuficientes ou ineficientes ou ambos

de um país cujo interior é desertificado e, consequentemente, mais vulnerável

Mas, também e acima de tudo, que a tragédia de Pedrogão.
nos chame à realidade pungente

de corpos de intervenção incansáveis,
que arriscam e dão a sua vida para salvar outras

de uma sociedade civil solidária e pro-activa
que não se limita a sofrer em frente à televisão,
mas que age, que se une, que se move
(este fogo de camões
esta paixão)
este fogo interno que nos arde cá dentro sem se ver
mas que nos move, nos impele, nos faz aguerridos, destemidos,
todos nós, padeiras de aljubarrotas, nas crises
a arregaçar as mangas da nossa portugalidade
de altruísmo e vontade que leva tudo à frente.

de instituições que respondem,
acolhem e afagam sobreviventes e desprotegidos
pavilhões que se abrem
mantimentos que se distribuem
abraços que se dão

de equipas médicas e técnicos e psicólogos
que ali estão, como podem, para sarar feridas - por dentro e por fora

de empresas e cidadãos anónimos
que contribuem com donativos,
boa vontade e braços para trabalhar.
(toneladas de águas e bebidas, caixotes de fruta, pilhas de alimentos para armazenar e distribuir - muitas horas de trabalho e mãos disponíveis para ajudar).

de escolas
que abrem de novo os portões, no rescaldo (ou antes dele)
para que as crianças retomem o seu quotidiano
ou, pelo menos, sejam afastadas dos "teatros de operações"
termo que vem dos cenários de guerra e designa o ambiente das trincheiras.

Comove-me que a escola se tenha proposto abrir as portas da paz para as crianças.
Talvez por ser professora me tenha tocado muito este gesto. Nem sei expressar bem isto.
Abrir a Escola. Para as crianças. Se refugiarem do caos. Voltarem a estar juntas. Em paz.

Ou seja, bombardeada com relatos e imagens dramáticas, desejo sublinhar os traços de humanismo, boa-vontade, solidariedade e esperança que coei de tudo o que vi e ouvi.

Quanto ao fogo, que a tragédia de Pedrogão - aquele inferno absurdo e sem sentido com tantas vítimas a lamentar- marque um ponto final neste rastilho em que ardemos há décadas.



sábado, 17 de junho de 2017

Festival Literário de Bragança


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Em primeiríssimo lugar, louvar a iniciativa; ponto final.

Programa aqui.

Estive no curso "Literatura e Imaginação", com Gonçalo M. Tavares; um exercício interessante e gratuito. Um privilégio, portanto.

Por mais que pareça infrutífero e dispendioso apostar em eventos culturais deste calibre, que depois parecem não corresponder ao nível das plateias semi vazias; há ter em conta que:
1) a captação de públicos leva tempo a sedimentar-se;
2) festivais literários sempre foram e sempre serão eventos para um nicho bem definido e, regra geral, restrito.
Por tudo isso, organizadores, pessoas a cargo, entidades impulsionadoras e patrocínios... há que insistir. 

Críticas... aos de fora.
Senhores escritores e senhoras escritoras pagos-para-cá-virem, convidados, não generalizando (porque não foram todos), mas também não particularizando a questão:
NÃO vos fica bem desdenharem da cidade-hospitaleira, gracejarem num tom jocoso-condescendente que "Do Tejo para cima não conhecem nada..." ou terem perguntado "Como é que eu vou para aí?"; apetece responder venha de barco, ou a nado, ou se achar cansativo venha de burro, que ainda é o nosso único meio de transporte.
Lamento, mas não vos fica bem. Eu, que até nem sou de cá, e me considero uma mente arejada e viajada, desgostei desse cosmopolitismo balofo, a roçar o verdadeiro provincianismo. Vieram falar-nos das grandes viagens que fizeram para se "inspirarem" para escrever e demonstraram um profundo desconhecimento do nosso país, o que me parece uma afronta à própria Portugalidade que vieram defender.
Enfim, será percepção minha. Acredito que a humildade é virtude dos mais sábios. E acredito que a verdadeira literatura é universal. Por isso pode ter raízes numa tribo primitiva num qualquer ilhéu recôndito do mundo, ou na vizinha do 5ºesquerdo, ou no Afeganistão ou em Freixo-de-Espada-à-Cinta. A essência humana com que labora a arte é semelhante no mundo inteiro.

Destaco Inês Pedrosa. Simplicidade e larga experiência não só como escritora e jornalista, mas como pessoana e directora da Casa de Pessoa. Uma conversa aprazível, despretensiosa e rica, a fechar com chave de ouro este certame.

Parabéns pela iniciativa!

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Algo de errado

Na turminha das ciganas  elas não deixam de se abismar com a minha...magreza(?!)
Suponho que as mulheres adultas com quem lidam são todas mais cheias do que eu. 
Passaram o ano  a surpreender-se. Eu tirava um casaco e aí vinha um "tem a cintura tão fininha" ou um "está tão magrinha..."; não interessa. O meu ponto é: para elas algo de errado se passa comigo! 
Hoje perguntaram-me quanto pesava 
("lá vamos nós outra vez, pensei)
e, de imediato,
se tinha algum "mali"
"Como assim?"
"Tem alguma doença?"
"Penso que não; já sou eu assim há muitos anos, saio aos meus pais..."
tentei rematar a conversa para avançar
"Então deve ter algum mali, botaram-lhe os olhos ou assim"
E logo outra:
"Podia ser ruindade mas a senhora é boazinha, por isso foi pósto (mau olhado, suponho)"

Era um litrinho de água benta para estas bandas, por favor... a ver se eu engordo!

sábado, 3 de junho de 2017

A geração cuidadora

Hoje venho falar para ti, mulher cuidadora, submersa pelas obrigações da maternidade de descendentes e ascendentes.
Estás naquela fase da vida entalada entre seres mãe dos teus filhos e mãe dos teus pais. 
Desdobras-te em múltiplas e sentes que falhas, que não és omnipotente, nem consegues apagar os fogos todos de uma vez. 
Queres ajudar, multiplicas gestos, atenções e afectos, mas por mais que faças nunca sentes que és suficiente. Mas, sim, és.
Quando atendes os teus pais queridos, na fragilidade da sua velhice, na autonomia que o tempo roubou, estás à altura. Os ossos frágeis, a memória que falha, os movimentos lentos, as contrariedades do corpo gasto pela vida, a natural decadência a que a passagem do tempo indubitavelmente nos destina têm eco na tua presença, nos teus cuidados, no teu afecto. 
Vê se me entendes, nunca falhas, nem que falhes. 
Sentes que a tua presença aos teus pais rouba presença aos teus filhos, mas é uma equação impossível ou de resolução difícil, pelo menos, no teu íntimo, se assim a colocares.
 Escuta, sossega! A ausência que te pesa na alma é um legado aos teus filhos. Vão crescer percebendo que amaste e acompanhaste quem amavas até ao limite das tuas forças. Vão crescer nessa partilha. Maturar em humanismo e atenção ao outro. Vão aprender a descentrar-se; isso é tão raro nos dias de hoje e uma aprendizagem vital; talvez o melhor legado que lhes deixarás.
Quando a balança pesa ao contrário, saberão os teus pais que te educaram para seres uma excelente mãe, que está ao lado dos filhos e assume sempre essa responsabilidade.
Agora... não é fácil, não.
Esta geração cuidadora, entalada entre avós e netos, quando se assume como tal, é um exemplo de dignidade humana e altruísmo. Muitas há, da tua idade, que o não cumprem. Arrumam tudo em instituições e vão à vida, sem problemas de consciência. Os filhos na escola, que agora, convenientemente, até é a tempo inteiro; os pais nos lares, que "estão lá tão bem". Depositam a carga e vivem mais leves.
Tu, não. Vê-se-te nos papos dos olhos a exaustão premente. Profunda e pesada. Compreendo-te.
Vejo o que te propões fazer e, digo-te, é, no mínimo, hercúleo.
Para seres cuidadora tens de cuidar-te também. Arranjar "espaço", bolhas de oxigénio. Inspira, expira - renova a tua força e procura apoios. Não tens de fazer tudo sozinha. Cuidares de ti é essencial para cuidares de todos os que amas. Essencial.