Há um poema sobre a FAMILY no manual de terceiro ano com que trabalho.
De pôr os miúdos a escrever sobre a sua própria família copiando aquela estrutura.
Eles sentem-se "capazes" - "ó txitxa é quase só copiar!!!!";
adoram escrever sobre a sua própria realidade,
querem colocar no papel aqueles afectos todos;
eu fomento a motivação: "já viram? só começaram o inglês em Setembro e já escrevem um poema!!!!!! Têm de contar aos pais em casa! Uau! Eles nem vão acreditar!!!!!"
Escrevo umas palavritas extra no quadro,
auxilio, monitorizo e esclareço...
Aquilo resulta muito bem!
BUT
(MAS)
Agora já não é tão fácil.
Cada ano juro a mim própria que não torno.
Que vou pô-los a escrever sobre os Simpsons
ou a família Adams
ou whatever,
mas lá acabo no mesmo
porque, apesar dos pesares,
julgo que é de total relevância desenvolver linguagem sobre o "eu" e o "meu mundo".
Então, pronto,
lá chafurdo nas amálgamas de múltiplos padrastos,
ou na eterna dúvida: sobre-qual-das-duas-casas-em-que-vivo queres que escreva txitxa?
Desta vez,
um nível acima de dificuldade:
"Txitxa! Eu tenho um irmão que tem nome de rapariga!"
"Ah?"
"Escrevo bróder ó sistér?"
"Como assim?"
"É meu meio irmão, mas quando nasceu o meu pai deu-lhe nome de rapariga"
"Como se chama?"
"Silvina"
"Mas é um rapaz?"
"é...
... acho que é...
... não sei!"
A turma toda ri-se.
São crianças.
Não sei como dar a volta a isto.
Passam-me muitas coisas pela cabeça que não sei expressar em frente a um grupo de crianças. Palavras como
transexual.
Mudança de sexo.
Transição de género.
"quer dizer quantos anos tem?"
"tem vinte"
"e é um homem?"
"sim... acho que é"
"achas? não tens a certeza?"
Tudo se passa rápida e inesperadamente de mais. Gostaria de ter tido mais uns segundos para ponderar o que dizer e como, sem expor toda aquela perplexidade -aparentemente minha e dele- ao grupo. De repente, encontro uma saída:
"Como lhe chamas em português? irmão ou irmã?"
"Irmão!"
"Então escreve brother!"
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