terça-feira, 23 de outubro de 2018

May I speak English?

Foi em Setembro, na primeira aula do ano. A gente acha que vinte anos de serviço a pisar salas de aula nos preparam para tudo. Que já nada mais nos há-de surpreender. "Só que não", como eles dizem.

Era uma turma de terceiro ano. Por conseguinte, iniciação à língua. Alguns costumam ter umas luzes, por terem frequentado AEC (aula de enriquecimento curricular) no segundo ano, mas não é forçoso. 

Entro na sala de aula e, ainda sem contacto ocular por estar a pousar pasta e tralhas na secretária, escuto uma voz, algures da secção das carteiras do meio, que fluentemente e de uma assentada me interpela:

"Teacher do you mind if I speak English to you all the time? You are the teacher of English, right? You should be fluent and I could practise speaking to you..."

 Uou, uou, uou, uou, uou! Pára tudo! (penso) O que é isto?
Levanto o pescoço e foco - é um miúdo alto, robusto, mas algo desengonçado.

"How come do YOU speak English so fluently?
Are you American?"
(deduzo americano, pela pronúncia)

"No, I'm not American; I'm Portuguese. I've learnt the language on my own by watching videos! For me that's easy!"

Bem, a coisa por aí foi, mais uns minutinhos de diálogo absurdamente fluído e estruturado para uma aula de iniciação à LE (língua estrangeira) e para um miúdo de nove anos que aprendeu a falar sózinho... 
A sentir-me avassalada por um misto de emoções:
surpreendida, mas a juntar as peças do puzzle e a perceber, logo ali, que este devia ser o menino autista que me fora sinalizado;
absolutamente siderada com a capacidade desta criança;
inassumidamente satisfeita por esta oportunidade - para mim - de desenferrujar a língua, morta de papaguear cores, números e animais de estimação;
e ainda apreensiva, 
quer dizer, 
de pé atrás relativamente às implicações que isto há-de vir a ter na gestão da aula, na resposta às necessidades deste aluno em concreto e na manutenção da sua motivação.

De repente, lembro-me dos outros!
Espalho o olhar em meu redor e vejo um cardume de peixinhos de bocas abertas, uma ninhada de crias assustadas, algumas a ousar balbuciar em guincho semi choroso: "mas... mas... mas, profesoooooooora,  eu não sei in-gue-lê-ê-ê-ês!"

Não se preocupem!
Eu e o meu assistente
(pisco-lhe o olho)
estamos aqui para vos ajudar!

Sem comentários:

Enviar um comentário