Está uma noite invernosa.
Em Esposende tem havido pequenos ciclones, um tornado, enfim ventos fortes, com alguns danos - físicos e humanos.
Estou a salvo.
Numa casa confortável, com os filhotes de barriga cheia aconchegados em camas quentinhas.
Agradeço ao universo pelo facto.
Agradeço ao universo pelo facto.
Ouço, lá fora a sirene.
Talvez os bombeiros, uma ambulância.
Talvez os bombeiros, uma ambulância.
(Sempre que ouço uma ambulância ainda estremeço.)
É o mal de não ver televisão.
Dá-se pelas coisas, em vez de ter o cérebro em hipnose entretenimental.
Dá-se pelas coisas, em vez de ter o cérebro em hipnose entretenimental.
A esta hora devia estar esparramada no sofá, embrenhada numa qualquer série do ... é Netflix que se chama o canal da moda, não é?
Todavia, não.
Aqui fico, a escutar a ronca que geme como uma gata gigante a parir.
Um uivo longo,
gordo,
um lamento a cortar a noite,
a chamar os barcos à terra segura,
a salvo da turbulência revolta do majestoso oceano.
A ronca.
Assim que viemos habitar esta casa, comecei a ouvi-la,
encantada por mais este elemento marítimo na minha vida.
encantada por mais este elemento marítimo na minha vida.
Gosto de ouvi-la, por cima do rumorejar das vagas, por cima delas,
o Homem a tentar gritar mais alto do que o mar.
o Homem a tentar gritar mais alto do que o mar.
Gosto de ouvi-la,
a ronca,
matriarca dos marinheiros,
como uma mãe que grita da soleira para os filhos virem jantar.
a ronca,
matriarca dos marinheiros,
como uma mãe que grita da soleira para os filhos virem jantar.
Eu não sei explicar que relação íntima é esta que tenho com o mar,
que a mera presença deste agudo acústico a cortar a noite chamando os barcos à barra
(que poderá para outro ter o seu quê de arrepiante)
me preenche!
"Homem livre, tu sempre gostarás do mar" - Baudelaire, Charles