terça-feira, 20 de novembro de 2018

Are you SURDE or what?

Resultado de imagem para minisomFarta de ter meninos que já trazem as respostas para os exercícios de audição, antes mesmo de ouvirem (porque os ATLs fazem um trabalho pouco honesto de preparação dos testes, que consiste em dar-lhes a resolução de listenings, que "adivinham"), decidi escrever os meus próprios tapescripts e LER o meu texto original para, assim, efectivamente, testar a compreensão oral.

Então, e para que seja adaptado a este nível de iniciação, cá me ponho a inventar diálogos em que parece tudo surdo e se repete a informação em redundâncias hiperbólicas, que só me fazem rir.

Assim:
a) How old are you?
b) I'm thirteen years old.
a) fourteen?
b) NO!!!! Thirteen. I'm thirteen years old!


Ou assim:
a) What's your name?
b) My name is John.
a) Really? John? How do you spell that?
b) J-o-h-n. John!
a) Ah! OK. Nice to meet you JOHN!

 É o que eu digo - nos meus diálogos são todos surdos ou atrasados mentais.

Escrito com carinho pela teacher, com o patrocínio da Minisom!
(Ouça tudo com MINISOM!!!)

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Minino do Rio

Há raivinhas subliminares crescendo subrepticiamente no nosso país de brandos costumes.
Ouço o idoso que consulta os periódicos na biblioteca rezingar para o outro sobre umas gordas quaisquer "SUBSÍDIO de 500 euros para um refugiado que acabou de chegar!!!...Uum gajo trabalhou neste país a vida inteira e leva com uma reforma que não chega a isso"

Percebo-lhe a mágoa, embora me desagrade o argumento, ergo o sobrolho e tento afastar-me mentalmente do que dizem. Mais de resto, é uma biblioteca, não se alaridam muito; foi só o desabafo que saiu gritado, como um suspiro contido que se não controla.

Tomo café e um grupo de poveiras discute a nova vaga de recém-chegados do lado de lá do oceano. "Estamos a ser invadidos por venezuelanos e brasileiros; qualquer dia nem sei onde isto vai parar. Já não há trabalhos para nós, quanto mais para os outros."

A mim desagrada-me o desfiar de queixumes e acusações que se seguem, desde elas virem todas com silicone em várias partes do corpo meter-se com os nossos homens e por aí vai.

(Parêntesis político para quem gosta nada de se posicionar para cá ou para lá e prefere ir reflectindo sobre os assuntos. Migrações, sempre houve. A história da humanidade documenta-as. Há, hoje em dia, uma urgência em legislar sobre os êxodos em massa, talvez. Para mim, a lente é sempre humanitária. Pessoas. Gente que procura melhor. Gente que foge de algo. Gente)

De facto, na escola, temos recebido muitos alunos vindos do Brasil.
Vêm fora de horas, porque os calendários escolares são desfasados; 
vêm desnivelados, porque os currículos são divergentes; 
quase não nos entendem o português de Camões;
enfim, causam alguma agitação no barco,
mas depois de embarcarem, remam connosco e fazem parte da nossa tripulação- A turma!

Por vezes, no entanto, o embarque não é fácil.
Esta semana vieram uns poucos. 
Mas um. 
Vi-o entrar pelo portão dentro,ao início da tarde, transido, olhos de desespero.A funcionária diz-me que ele está aflito pois hoje é dia de inglês, está no quarto ano e nunca teve inglês antes. Sabe que os outros meninos aqui em Portugal têm inglês, pelo menos, desde o terceiro ano. Recebo-o, sorrio-lhe, que não se preocupe. Falo-lhe na língua dele. "Não esquenta, não, cara! A gente vai ajudar você!" 

Ao final da tarde tenho aula com ele. 
Os outros vêm, sem cadernos, nem livros, mas meigos e cordatos e sempre "Oi, txitxia?" cada vez que não me entendem o português fluído.

Ele não aparece; sei que está na escola, se o recebi à uma. Dizem-me que está de castigo, que houve zaragata no intervalo. Aparece um pedaço depois, de olhos ainda mais desesperados do que da primeira vez que o vi, agora desesperados, aqueles olhos vermelhos de ter chorado.

É dia de revisões para a turma matriz.
De maneiras que tenho de me desunhar para responder à recepção de boas vindas de uns e à necessidade de pôr os outros a trabalhar. 

Por isso, apesar de ter a palavra castigo a martelar-me o cérebro (castigo, no primeiro dia em que aparece numa escola nova?) e aqueles olhos suplicantes a chamar-me, tenho de ignorar tudo isso por um bocado.

Logo que arranjo uma brecha em que tenho quase a malta toda controlada a resolver um ou outro exercício 
(são diferentes as tarefas, claro, os recém chegados nunca tiveram a língua de Shakespeare)
vou lá, a pretexto de corrigir ou ajudar.

Aninho-me de cócoras, na mesa dele, como costumo fazer para falar ao nível deles, 
(assim os meus joelhos o continuem a permitir)
e chamo-lhe os olhos com os meus.
"Então, que se passa? Está a ser um dia difícil, não? Logo de castigo, logo metido em confusões... que se passou?" Pouso-lhe a mão no ombro.

Explica-me entre soluços, atrapalhando-se todo, que o acusaram, mas que alguém lhe atirou não sei o quê antes e que, então, ele agrediu.

Numa outra situação qualquer eu nem ouvia. Brigas de garotos nos intervalos fazem parte do quotidiano normal e saudável.

Mas.Este!
Está tão aflito, tão perdido!
De repente, percebo! Aquilo explica-se-me, ilumina-se. 

Não é raiva, o que expressa; é medo.

Sinto-me profundamente comovida com este menino.
A chegar. Escola Nova, vida nova, país novo.
Penso:
 vens sabe Deus de que ambiente, 
já vivenciaste, vá-se lá saber o quê
quanta violência terás visto
aprendeste-a
agrides por defesa.

Não me contenho, pergunto.
"Sabes, aqui não nos entendemos assim uns com os outros.
Aqui a gente é da paz.
Aqui na escola todo o mundo brinca e é amigo.
Se precisares de ajuda procuras um professor ou um funcionário,
que nós todos estamos aqui para te ajudar, está bem?
(ele acena, acena, acena com a cabeça; os olhos cada vez mais enormes, como pratos)

De onde tu vens era perigoso?"

"Sim, muito perigoso meismo. Minha mãe sempre corria pra ir no mercado e uma vez ela mau escapou dji um txirôteiô!"

Apetece-me abraçá-lo. Afago-lhe o braço e garanto-lhe que aqui está em paz. 
Não há que ter medo. Aqui está seguro.